Questão
Simulado UNESP
2020
1ª Fase
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MITOS DE CRIAÇÃO

Muitos pensam que a pesquisa científica é uma atividade puramente racional, na qual o objetivismo lógico é o único mecanismo capaz de gerar conhecimento. Como resultado, os cientistas são vistos como insensíveis e limitados, um grupo de pessoas que corrompe a beleza da Natureza ao analisá-la matematicamente. Essa generalização, como a maioria das generalizações, me parece profundamente injusta, já que ela não incorpora a motivação mais importante do cientista, o seu fascínio pela Natureza e seus mistérios. Que outro motivo justificaria a dedicação de toda uma vida ao estudo dos fenômenos naturais, senão uma profunda veneração pela sua beleza? A ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e de realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo nas artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no Universo. 

À primeira vista, pode parecer estranho que um livro escrito por um cientista sobre a evolução do pensamento cosmológico comece com um capítulo sobre mitos de criação de culturas pré-científicas. Existem duas justificativas para minha escolha. 

Primeira, esses mitos encerram todas as respostas lógicas que podem ser dadas à questão da origem do Universo, incluindo as que encontramos em teorias cosmológicas modernas. Com isso não estou absolutamente dizendo que a ciência moderna está meramente redescobrindo a antiga sabedoria, mas que, quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas, podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as ideias são as mesmas. É claro que existe uma grande diferença entre um enfoque religioso e um enfoque científico no estudo da origem do Universo. Teorias científicas são supostamente testáveis e devem ser refutadas se elas não descrevem a realidade. Mesmo que no momento estejamos ainda longe de podermos testar modelos que descrevem a origem do Universo, um modelo matemático só será considerado seriamente pela comunidade científica se puder ser testado experimentalmente. Esse fato básico traz várias dificuldades aos modelos que tentam descrever a origem do Universo. Afinal, como podemos testar esses modelos? No momento, o máximo que podemos esperar é que eles nos deem informações sobre certas propriedades básicas do Universo observado. Mesmo que isso esteja ainda longe de ser um teste da utilidade desses modelos, pelo menos já é um começo. (...)

A segunda razão para começar este livro com mitos de criação é mais sutil. Esses mitos são essencialmente religiosos, uma expressão do fascínio com que as mais variadas culturas encaram o mistério da Criação. Como discutirei em detalhe, é precisamente esse mesmo fascínio que funciona como uma das motivações principais do processo criativo científico. Acredito que esse fascínio seja muito mais primitivo do que o veículo particular escolhido para expressá-lo, seja através da religião organizada ou da ciência. Para a maioria dos cientistas o estudo da Natureza é encarado como um desafio intelectual. Sua motivação para enfrentar esse desafio vem de uma profunda fé na capacidade da razão humana de poder entender o mundo à sua volta. A física se transforma em uma ferramenta desenhada para decifrar os enigmas da Natureza, a encarnação desse processo racional de descoberta.

(Marcelo Gleiser, A dança do universo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997).

Em relação ao estilo do autor, é possível inferir que ele é constituído de
A
linguagem rebuscada, cientificismos, neologismos e termos que dificultam o entendimento do leitor.
B
linguagem informal, mesclada de gírias e variações sociolinguísticas, no intuito de se aproximar com o leitor.
C
inclusão da terceira pessoa, para se adequar à norma culta e à impessoalidade obrigatoriamente requeiras em textos jornalísticos e científicos.
D
exclusão do público-alvo, sendo um texto autocentrado na comunidade acadêmica, para quem ele se dirigido.
E
inclusão da primeira pessoa, tanto do singular quanto do plural, junto ao uso de perguntas retóricas, a fim de provocar o leitor.