Machado de Assis
01 de junho de 1888
BONS DIAS!
Agora fale o senhor, que eu não tenho nada mais que lhe dizer. Já o saudei, graças à boa criação que Deus me deu, porque isto de criação se a natureza não ajuda, é escusado trabalho humano. Eu, em menino, fui sempre um primor de educação. […]
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Podia citar casos honrosíssimos, como prova de boa criação. Um, deles nunca me há de esquecer, e é fresquinho.
Estando há dias a almoçar com alguns amigos, percebi que alguma coisa os amargurava. Não gosto de caras tristes, como não gosto delas alegres; — um meio-termo entre o Caju e o Recreio Dramático e o que vai comigo. Senão quando, com um modo delicado, perguntei o que é que tinham. Calaram-se, eu, como manda a boa criação, calei-me também e falei de outra coisa. Foi o mesmo que se os convidasse a pôr tudo em pratos limpos. Tratando-se de meu almoço, era condição primordial.
Um dos convivas confessou que no meio das festas abolicionistas não aparecia o seu nome, outro que era G dele que não aparecia outro que era o dele, e todos que os deles. Aqui é que eu quisera ser um homem malcriado. O menos que diria a todos, é que eles tanto trabalharam para a abolição dos escravos, como para a destruição de Nínive, ou para a morte de Sócrates. Eu, com uma sabedoria só comparável à deste filósofo, respondi que a história era um livro aberto, e a justiça a perpétua vigilante. Um dos convivas, dado a frases, gostou da última, pediu outra e um cálice de Alicante. Respondi, servindo o vinho, que as reparações póstumas eram mais certas que a vida, e mais indestrutíveis que a morte. Da primeira vez fui vulgar, da segunda creio que obscuro; de ambas sublime e bem criado.
[…]
Podia citar outros muitos casos de boa criação, realmente exemplares. Nunca dei piparotes nas pessoas que não conheço, não limpo a mão à parede, não vou bugiar, que é ofício feio, e ando sempre com tal cautela, que não piso os calos aos vizinhos. Tiro o chapéu, como fiz agora ao leitor; e dei-lhe os bons dias do costume. Creio que não se pode exigir mais. Agora, o leitor que diga alguma cousa, se está para isso, ou não diga nada, e boas noites.
Disponível em: http://www.cronicas.uerj.br/home/cronicas/machado/rio_de_janeiro/ano1888/01jun88.htm
Sobre o trecho “Estando há dias a almoçar com alguns amigos, percebi que alguma coisa os amargurava.”, analise as alternativas a seguir.
I. - Poderíamos trocar “há” por “fazem” sem alteração de sentido.
II. - “Com alguns amigos” exerce a função de objeto indireto.
III. - No período, temos uma oração subordinada substantiva objetiva direta.
IV. - O vocábulo “que” é conjunção integrante.
V. - O vocábulo “que” é pronome relativo.
É correto apenas o que afirma em