“Mas eu, o que sou eu, agora que suponho que há alguém que é extremamente poderoso e, se ouso dizê-lo, malicioso e ardiloso, que emprega todas as suas forças e toda a sua indústria em enganar-me? Posso estar certo de possuir a menor de todas as coisas que atribuí há pouco à natureza corpórea? Detenho-me em pensar nisto. Com atenção, passo e repasso todas essas coisas em meu espírito, e não encontro nenhuma que possa dizer que exista em mim. Não é necessário que me demore a enumerá-las. Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se há alguns que existam em mim. Os primeiros são alimentar-me e caminhar; mas, se é verdade que não possuo corpo algum, é verdade também que não posso nem caminhar nem alimentar-me. Um outro é sentir; mas não se pode também sentir sem o corpo; além do que, pensei sentir outrora muitas coisas, durante o sono, as quais reconheci, ao despertar, não ter sentido efetivamente. Um outro é pensar; e verifico aqui que o pensamento é um atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? A saber, por todo o tempo em que eu penso; pois poderia, talvez, ocorrer que, se eu deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir. Nada admito agora que não seja necessariamente verdadeiro: nada sou, pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, um entendimento ou uma razão, que são termos cuja significação me era anteriormente desconhecida. Ora, eu sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente; mas que coisa? (...) Eu não sou essa reunião de membros que se chama o corpo humano; não sou um ar tênue e penetrante, disseminado por todos esses membros; não sou um vento, um sopro, um vapor, nem algo que posso fingir e imaginar, posto que supus que tudo isso não era nada e que, sem mudar essa suposição, verifico que não deixo de estar seguro de que sou alguma coisa.”
(Descartes, Meditações, Meditação Segunda, § 7)
No texto acima, Descartes emprega um tradicional procedimento filosófico, que consiste em identificar as coisas por meio de seus atributos. Por meio desse procedimento, ele identifica duas espécies de coisas (substâncias). Quais são essas duas espécies de coisas (substâncias) assim identificadas e quais os principais atributos de cada uma delas?