“Mas um velho, de aspecto venerando,
(...)
A voz pesada um pouco alevantando,
(...)
Tais palavras tirou do experto* peito:
- Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama
Ó Fraudulento gosto, que se atiça
Cua aura popular, que honra se chama.
(Camões, Os Lusíadas, canto IV)
“... e então uma grande voz se levanta, é um labrego** de tanta idade já que o não quiseram, e grita subido a um valado***, que
é púlpito dos rústicos, Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame, ó pátria sem justiça, e tendo assim clamado, veio dar-lhe o
quadrilheiro uma cacetada na cabeça, que ali mesmo o deixou por morto.”( José Saramago, Memorial do Convento, p.293)
*experto - que tem experiência
**labrego - indivíduo grosseiro, rude, tosco (...)
***valado - elevação de terra que limita propriedade rústica
(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)
Confrontando os fragmentos acima percebe-se que Memorial do Convento dialoga com os clássicos. O episódio do Velho do Restelo, do Canto IV de Os Lusíadas, refere-se ao engajamento voluntário dos portugueses na grande empresa que foi a descoberta de novos mundos. Já no Memorial do Convento, entretanto, o recrutamento para Mafra deu-se, em geral, à força.
a) Cite ao menos uma razão que levou “o rei infame” de Memorial do Convento a tornar obrigatório o engajamento de todos os operários do reino, quaisquer que fossem suas profissões.
b) Quem era esse “rei infame” a que se refere o trecho citado e em que século essa ação do romance se passa?
c) Aponte, no trecho, ao menos uma passagem que indique a irreverência de Saramago em relação ao texto de Luis de Camões.