Questão
Fundação Getúlio Vargas - FGV
2019
Fase Única
Numa-manha-despertar296171d08fe
Discursiva
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos.

(Kafka)

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.

(Kant)

No parágrafo de abertura da novela A metamorfose (1915), acima transcrito, o escritor de origem tcheca Franz Kafka (1883-1924) desconcerta o leitor, ao relatar, em primeira pessoa, a surpreendente transformação anatômica por que passa a personagem principal, o caixeiro-viajante Gregor Samsa. À luz dessa cena inicial do livro, proponha uma interpretação da ficção, avaliando até que ponto o perturbador enredo kafkiano pode ser considerado uma alegoria da condição humana e da vida em sociedade.

Para a proposição dessa via interpretativa, fundamente sua resposta nos argumentos filosóficos de Immanuel Kant, em seu texto “Resposta à pergunta: que é o Esclarecimento?” (1784). Este filósofo contrapõe os sentidos iluministas de “menoridade” ao de “maioridade” do ser humano e defende a necessidade de o indivíduo conquistar sua autonomia e sua liberdade, por meio do uso da razão.