Questão
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
2023
Fase Única
Ode-burgues01-Eu4514888aed1
Discursiva
Ode ao burguês

01 Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
02 O burguês-burguês!
03 A digestão bem-feita de São Paulo!
04 O homem-curva! o homem-nádegas!
05 O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
06 é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

07 Eu insulto as aristocracias cautelosas!
08 Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
09 que vivem dentro de muros sem pulos;
10 e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
11 para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
12 e tocam os “Printemps” com as unhas!

13 Eu insulto o burguês-funesto!
14 O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
15 Fora os que algarismam os amanhãs!
16 Olha a vida dos nossos setembros!
17 Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
18 Mas à chuva dos rosais
19 O êxtase fará sempre Sol!

*

20 Morte à gordura!
21 Morte às adiposidades cerebrais!
22 Morte ao burguês-mensal!
23 ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
24 Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
25 “- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
26 – Um colar… – Conto e quinhentos!!!
27 Mas nós morremos de fome!”

28 Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
29 Oh! purée de batatas morais!
30 Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
31 Ódio aos temperamentos regulares!
32 Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
33 Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
34 Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
35 sempiternamente as mesmices convencionais!
36 De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
37 Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
38 Todos para a Central do meu rancor inebriante!

39 Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
40 Morte ao burguês de giolhos,
41 cheirando religião e que não crê em Deus!
42 Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
43 Ódio fundamento, sem perdão!
44 Fora! Fu! Fora o bom burguês!…

ANDRADE, Mário de. Pauliceia desvairada. São Paulo: Martim Claret, 2016. p. 61-62

Com base na obra Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade, publicada originalmente em 1922, no contexto sócio-histórico e literário da obra e, ainda, de acordo com a variedade padrão da língua escrita, é correto afirmar que:

01. para exaltar a figura do burguês, personagem central da cultura brasileira do início do século XX, Mário de Andrade faz uso de um poema lírico composto de estrofes de versos com igual medida, em tom alegre e festivo, conhecido como ode.

02. são recorrentes na obra as referências à palavra ‘arlequim’ e suas variantes, como “arlequinal” (linha 17), remetendo a uma espécie de roupa adaptada ao clima chuvoso de São Paulo.

04. a posição do adjetivo na expressão “bom burguês” (linha 44) é empregada como recurso linguístico para caracterizar uma classe social, e não um indivíduo, diferentemente do sentido da expressão ‘burguês bom’.

08. o eu-lírico introduz um possível diálogo entre um burguês e sua filha (linhas 25-27), evidenciando o apego às aparências.

16. “algarismam” (linha 15) corresponde a um neologismo, formado a partir do nome ‘algarismo’, pelo acréscimo de desinências verbais e de um complemento direto (“os amanhãs”).