POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
[manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo
[de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar
[com cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
─ Não quero saber do lirismo que não é libertação.
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. In. Estrela da vida inteira. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 129.
No poema de Manuel Bandeira, destacam-se ainda:
I. um título que antecipa a natureza metalinguística do texto;
II. a indecisão entre duas perspectivas de se fazer poesia;
III. a defesa de um fazer poético espontâneo e livre de regras;
IV. a adoção de uma perspectiva mais rígida em relação à arte;
V. uma reflexão técnica sobre os processos criativos literários.
Estão corretas apenas as afirmativas: