— Pai está brigando com Mãe. Está xingando ofensa, muito, muito. Estou com medo, ele queira dar em Mamãe…
Era o Dito, tirando-o por um braço. O Dito era menor mas sabia o sério, pensava ligeiro as coisas, Deus tinha dado a ele todo juízo. E gostava, muito, de Miguilim. Quando foi a estória da Cuca, o Dito um dia perguntou: — “Quem sabe é pecado a gente ter saudade de cachorro?…” O Dito queria que ele não chorasse mais por Pingo-de-Ouro, porque sempre que ele chorava o Dito também pegava vontade de chorar junto.
— Eu acho, Pai não quer que Mãe converse mais nunca com o tio Terêz… Mãe está soluçando em pranto, demais da conta.
Miguilim entendeu tudo tão depressa, que custou para entender. Arregalava um sofrimento. O Dito se assustou: — “Vamos na beira do rego, ver os patinhos nadando…” —acrescentava. Queria arrastar Miguilim.
— Não, não… Não pode bater em Mamãe, não pode…
Miguilim brotou em chôros. Chorava alto. De repente, rompeu para a casa. Dito não o conseguia segurar. Diante do pai, que se irava feito um fero, Miguilim não pôde falar nada, tremia e soluçava; e correu para a mãe, que estava ajoelhada encostada na mêsa, as mãos tapando o rosto. Com ela se abraçou. Mas dali já o arrancava o pai, batendo nele, bramando. Miguilim nem gritava, só procurava proteger a cara e as orêlhas; o pai tirara o cinto e com ele golpeava-lhe as pernas, que ardiam, doíam como queimaduras quantas, Miguilim sapateando. Quando pôde respirar, estava posto sentado no tamborete, de castigo. E tremia, inteirinho o corpo. O pai pegara o chapéu e saíra.
(Campo Geral, Guimarães Rosa)
Na novela Campo Geral, de Guimarães Rosa, há uma construção de relações delicada, que demonstra uma diferença de compreensão do mundo das crianças e dos adultos. No trecho em destaque fica evidenciado