“[...]
Passado muito tempo, resolvi falar, porque estava sozinha me embrenhando na mesma vereda que Donana costumava entrar. Ainda recordo da palavra que escolhi:
arado. Me deleitava vendo meu pai conduzindo o arado velho da fazenda carregado pelo boi, rasgando a terra para depois lançar grãos de arroz em torrões marrons e vermelhos revolvidos. Gostava do som redondo, fácil e ruidoso que tinha ao ser enunciado. “Vou trabalhar no arado”. “Vou arar a terra”. “Seria bom ter um arado novo, esse arado está troncho e velho”. O som que deixou minha boca era uma aberração, uma desordem, como se no lugar do pedaço perdido da língua tivesse um ovo quente. Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada. Tentei outras vezes, sozinha, dizer a mesma palavra, e depois outras, tentar restituir a fala ao meu corpo para ser a Belonísia de antes, mas logo me vi impelida a desistir. Nem mesmo quando o edema se desfez consegui reproduzir uma palavra ser entendida por mim mesma. Não iria reproduzir os sons que me provocavam desgosto e repulsa e ser alvo de zombaria para as crianças na casa de Firmina, ou para as filhas de Tonha [...].”.
VIEIRA JR., I. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 124-128.
O trecho cima foi retirado da obra de Itamar Vieira Jr., Torto Arado (2019), e nele tem-se a recorrência do termo arado. Sobre essa repetição ao longo deste excerto
narrativo, assinale a alternativa correta.