Questão
Universidade Estadual Paulista - UNESP
2013
2ª Fase
Passagem-romance42014095618
Discursiva
Passagem do romance O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho (1914-1989).

Como disse, rolava eu no capim, pronto a dar ao caso solução briosa, na hora em que o querelante apresentou aquela risada
de pouco-caso e deboche:

– Quá-quá-quá...

Não precisou de mais nada para que o gênio dos Azeredos e demais Furtados viesse de vela solta. Dei um pulo de cabrito e
preparado estava para a guerra do lobisomem. Por descargo de consciência, do que nem carecia, chamei os santos de que sou devocioneiro:

– São Jorge, Santo Onofre, São José!

Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças
ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azeredo Furtado. Dos olhos do lobisomem
pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente que um caçador de paca,
estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato estivesse ardendo. Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma
figueira e lá de cima, no galho mais firme, aguardava a deliberação do lobisomem. Garrucha engatilhada, só pedia que o assombrado
desse franquia de tiro. Sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de executar macaquice que nunca cuidei que um lobisomem
pudesse fazer. Aquele par de brasas espiava aqui e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma pessoa sozinha.
O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente.
Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau. No alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.
Diante de tão firme deliberação, o vingativo mudou o rumo da guerra. Caiu de dente no pé de pau, na parte mais afunilada, como
se serrote fosse:

– Raque-raque-raque.

Não conversei – pronto dois tiros levantaram asa da minha garrucha. Foi o mesmo que espalhar arruaça no mato todo. Subiu
asa de tudo que era bicho da noite e uma sociedade de morcegos escureceu o luar. No meio da algazarra, já de fugida, vi o lobisomem
pulando coxo, de pernil avariado, língua sobressaída na boca. Na primeira gota de sangue a maldição desencantava, como é
de lei e dos regulamentos dessa raça de penitentes. No raiar do dia, sujeito que fosse visto de perna trespassada, ainda ferida verde,
podia contar, era o lobisomem.

(O coronel e o lobisomem, 1980.)

Explique a razão pela qual o narrador atribui o adjetivo “verde” ao substantivo ferida, no último período do texto.