Pedro abriu com a unha a tampinha da parte de trás do rádio minúsculo e trocou a pilha. A música foi devolvida, tão forte quanto os chiados e mais alta do que os barulhos da rua. Ele tinha enfiado os fones nos ouvidos. Estava de pé, num fim de tarde, colhido numa diagonal rasante por um sol cor de brasa que se recusava a ir embora e se negava a refrescar. Um sol quase colado à sua testa e também à testa de todos os outros, que se mantinham em ordem numa fila, à espera do ônibus no ponto final.
Não havia nada entre o sol e as cabeças de todos ali, a não ser a parte mais alta do poste de concreto e os fios bambos de eletricidade ou de telefone, que lá em cima irradiavam para os dois lados numa simetria de costelas. A sombra da fila, estendida quase ao máximo sobre a calçada, era a única sombra. A demora do ônibus, o bafo de urina e de lixo, a calçada feita de buracos e poças, o asfalto ardente com borrões azuis de óleo, quase a ponto de fumegar — Pedro já estava até habituado. Não são os mimados, mas sim os adaptados que vão sobreviver.
Rubens Figueiredo. Passageiro do fim do dia. Disponível em: https://tinyurl.com/ws3nyup. Acesso em: 29 jan. 2020.
Diante das configurações das metrópoles modernas, o personagem