Quando ouço alguém dizer que domina perfeitamente uma língua estrangeira, não acredito. O sentimento que temos de cada palavra é alguma coisa funda e fluida, que vem desde a infância, que faz parte de nossa própria vida, que tem gosto, som, temperatura, consistência, cheiro; cada palavra é uma longa experiência sensorial, emocional e intelectual que vivemos ao longo de toda a existência. Podemos aprender o seu sentido; mas como apreender sua substância, ouvir seu eco mais íntimo se antes não “vivemos” essa palavra?
Há palavra que nos levam à infância — “torresmo”, “tacho”, “jenipapo”, outras ao fim do curso primário, como “aliás” ou “adversário”.
A infância de hoje tem um vocabulário diferente do meu tempo de menino, porque aprendeu muita coisa na linguagem quase sempre pernóstica do rádio — que existe de mais alarmante que a falsa riqueza vocabular de alguns locutores de futebol? Já essa palavra “locutor” me arrepia um pouco, com seu ar douto e latinizante. Acho que está bem e não proponho nenhuma outra em seu lugar — mas é irresistivelmente antipática, lembra colégio, sala de operação, processo inquisitorial.
O rádio, com sua força tremenda, tende a unificar a linguagem nacional a um ponto impossível de imaginar antes; a língua oficial falada no Brasil em todos os círculos sociais e em todos os estados é, afinal de contas, a da Rádio Nacional. Se amanhã o pessoal dessa estação resolver inventar um adjetivo qualquer — suponhamos, “obvioso” —, esse adjetivo passará a ser falado e escrito por milhões de pessoas, do Acre ao Rio Grande do Sul, com a maior naturalidade.
(Adaptado de Rubem Braga, A triste língua do rádio. Disponível em: <https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/13067/a-tristelingua-do-radio> Acessado em 23 abr. 2020)
O texto se refere majoritariamente a um tipo de variação linguística