(SOMATÓRIA)
Nando já a cavalo mal ouvia Manuel Tropeiro. Sentia que vinha vindo a grande visão. Sua deseducação estava completa. O ar da noite era um escuro éter. A sela do cavalo um alto pico. Da sela Nando abrangia a Mata, o Agreste e sentia na cara o sopro do fim da terra saindo das furnas de rocha quente. E viu: aquele mundo todo com sua cana, suas gentes e seus gados era Francisca molhando os pés na praia e de cabelos ardendo no Sertão.
— Manuel — disse Nando — eu vou para ficar.
— Assim tenho pedido a Deus que seja a sua resolução. [...]
— Boa essa roupa, Manuel.
Manuel Tropeiro falou com sua ironia sem malícia:
— Com seu perdão, seu Nando, a roupa preta não fez o senhor padre. Esse gibão de couro não vai fazer o senhor cangaceiro não.
Nando riu:
— Não se assuste, Manuel. Eu agora viro qualquer coisa.
CALLADO, Antonio. Quarup. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 552-553. Edição especial. A leitura e a análise do fragmento e da obra permitem afirmar:
(01) A personagem Nando evidencia-se como um homem com o olhar voltado para um contexto histórico que precisa ser transformado.
(02) A personagem Manuel Tropeiro revela-se um cético que instala dúvidas na cabeça de Nando a respeito da possibilidade de transformação da sociedade brasileira.
(04) A realidade ficcional do romance dialoga com a realidade extraficcional do regime militar no país, utilizando-se, inclusive, de personagens do mundo real e do imaginário.
(08) A comparação estabelecida por Nando entre a realidade vislumbrada e Francisca é reveladora da substituição de Francisca, seu objetivo de vida, por um outro de cunho ideológico e social.
(16) A conversão de Nando à militância política é produto de uma travessia de vida que vai de Nando a Nando-Levindo, com o seu engajamento total à luta armada.
(32) A personagem Francisca representa um entrave à realização individual de Nando, tornando-o um ser amargo, em face de uma experiência amorosa frustrada.