(SOMATÓRIA)
Sobre a obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, assinale o que for correto.
Capítulo LI
É minha!
“É minha!”, disse eu comigo, logo que a passei a outro cavalheiro; [...] “É minha!”, dizia eu ao chegar à porta da casa. Mas aí, como se o destino ou o acaso, ou o que quer que fosse, se lembrasse de dar algum pasto aos meus arroubos possessórios, luziu-me no chão uma coisa redonda e amarela. Abaixei-me; era uma moeda de ouro, uma meia dobra.
“É minha!”, repeti eu a rir-me, e meti-a no bolso.
Nessa noite não pensei mais na moeda; mas no dia seguinte, recordando o caso, senti uns repelões de consciência, e uma voz que me perguntava por que diabo seria minha uma moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente achara na rua. Evidentemente não era minha; era de outro, daquele que a perdera, rico ou pobre, e talvez fosse pobre, algum operário que não teria com que dar de comer à mulher e aos filhos; mas se fosse rico, o meu dever ficava o mesmo. Cumpria restituir a moeda [...].
ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 90.
01) Conforme recorrente no comportamento humano, Brás Cubas possui vícios e virtudes, e uma delas é sua honestidade, conforme se explicita no trecho transcrito. Para não usufruir de algo que não julgava seu, o personagem doará a moeda à pobre Dona Plácida. Mesmo nascido no seio da elite social da época, Brás Cubas prezou por uma vida simples e sem excessos, atitudes que fundamentam sua retidão de caráter, bem como a referida honestidade.
02) O comentário “É minha!”, proferido pelo narrador, marca sua noção de posse. No entanto, mesmo que em um impulso inicial tenha cogitado ter para si ambas as “preciosidades”, conforme também faz com a moeda encontrada, entrega Virgília a outro cavalheiro, pois almeja se afastar da ideia de retomar aquela relação, uma vez que agora ela se encontrava casada. Tal comportamento denota a consciência e a sensatez de Brás Cubas no romance.
04) Os “arroubos possessórios” de Brás Cubas se referem tanto à moeda de ouro quanto a Virgília. Essa equivocada noção de posse da mulher – “É minha!” – proferida duas vezes pelo personagem, marca a ideia de objetificação feminina, aspecto estrutural na tradição patriarcal. A aproximação entre a moeda de ouro e Virgília, tanto pela associação das cenas narradas na obra quanto pelo idêntico comentário possessivo para ambas as “preciosidades” de que se julga “dono”, reitera essa objetificação.
08) No trecho destacado, após “uns repelões de consciência”, o raciocínio do narrador sobre o quão problemático seria se apossar de dinheiro fruto do suor alheio, demonstra certo escrúpulo do personagem apenas na aparência, pois seu comportamento aponta predominantemente para outra direção. O protagonista chega a destacar, como uma de suas virtudes, o seguinte: “coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto” (ASSIS, 2012, p.188). Assim, evidencia-se o “mérito” de ter nascido no seio da elite e de ter levado uma vida financeiramente tranquila, suprida por bens herdados e por rendas advindas do suor alheio.
16) A obra em questão é um fecundo exemplo de inovação e ruptura na literatura brasileira, em especial pelo modo como é estruturada. Propositalmente fragmentada, é composta por diversos capítulos que contribuem para romper a linearidade narrativa convencional. As inúmeras digressões e comentários metalinguísticos auxiliam tal efeito, bem como levam os leitores a reflexões críticas sobre diversos aspectos sociais e sobre o comportamento humano.