Questão
Universidade Estadual de Maringá - UEM
2015
Fase Única
SOMATORIAAssinale-que11111a3a9544
Discursiva
SOMATÓRIA

Assinale o que for correto sobre o poema abaixo e sobre a obra de sua autora, Cecília Meireles.

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

– esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

– palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

– que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

– e um dia me acabarei.

(MEIRELES, Cecília. In Os melhores poemas de Cecília Meireles. Seleção Maria Fernanda – 14ª ed. São Paulo: Global, 2002, p. 27)

01) Cecília Meireles é considerada poeta do lirismo amoroso, das confissões sensuais e, sobretudo, do sentimento de morte, expresso no poema “Timidez” pelo último verso, que revela a inutilidade da existência: “– e um dia me acabarei”. Desse modo, embora sua produção poética apresente características do Parnasianismo, movimento literário a que se vinculou, o poema em questão traz convenções do período ultrarromântico, notadamente: a) gosto pelo ambiente noturno – “ponho vestidos noturnos”; b) consciência da solidão – “apago meus pensamentos”; c) retorno ao passado – “une as terras mais distantes”; d) apego à religião – “uma palavra caída da montanha”.

02) Quanto à estrutura, o poema de Cecília Meireles é constituído por quatro quartetos e por quatro versos soltos, interpostos entre as estrofes. Nas quadras, o segundo verso rima com o quarto – “de leve / leve”, “instantes / distantes”, “taciturnos / noturnos”, “navegando / quando” –, esquema rimático ABCB, com rimas denominadas soantes, pois mantêm completa correspondência de sons a partir da vogal tônica. Os versos soltos apresentam todos a mesma rima – “ei” –, também soantes. Quanto à acentuação, as rimas dos quartetos, com vocábulos paroxítonos, são graves ou femininas; nos versos soltos, com palavras oxítonas, são agudas ou masculinas.

04) Nos dois primeiros versos do segundo quarteto – “Uma palavra caída / das montanhas dos instantes” –, observa-se, no ato da leitura, a necessidade de estabelecer-se uma ligação entre o final do primeiro verso e o início do segundo. Ocorre o que se denomina “encadeamento” ou “enjambement”, recurso responsável pelo estabelecimento de dupla possibilidade de leitura do texto, uma vez que se pode respeitar a pausa natural do verso (“caída”), ou estabelecê-la segundo a unidade de significação (“caída das montanhas”).

08) Nos versos “entre os ventos taciturnos” e “ponho vestidos noturnos”, verifica-se a ocorrência da onomatopeia, figura de pensamento cuja repetição de fonemas – no caso os fonemas nasais /t/, /v/, /s/ e /n/ – visa à imitação dos sons dos ventos que atormentam o eu lírico.

16) No que se refere ao conteúdo do poema, pode-se afirmar que o eu lírico debate-se entre as proposições e a recusa à entrega amorosa. Nos três primeiros quartetos, apresenta elementos que favorecem a descoberta de si pelo outro: “pequeno gesto”, “palavra caída”, “vestidos noturnos”. Mas em cada proposta verifica-se a recusa incisiva do eu lírico, com o emprego de expressões marcadas pela negatividade: “eu não farei”, “eu não direi”, “amargamente inventei”. No último quarteto, o teor do impulso à recusa, que alimenta o poema como um todo, intensifica-se, observando-se o predomínio do enclausuramento do eu, notadamente pelo emprego da expressão “não me descobres”. O temor da entrega só se resolve para o eu lírico com a perspectiva de seu desaparecimento: “e um dia me acabarei”.