Senhora (fragmento)
– Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro d'alma.
– Vendido sim; não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem mil cruzeiros, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.
Aurélia proferiu estas palavras desdobrando um papel no qual Seixas reconheceu a obrigação por ele passada ao Lemos. Não se pode exprimir o sarcasmo que salpicava dos lábios da moça, nem a indignação que vazava dessa alma profundamente revolta, no olhar implacável com que ela flagelava o semblante do marido. Seixas, trespassado pelo cruel instinto, arremessado do êxtase da felicidade a esse abismo de humilhação, a princípio, ficara atônito. Depois quando os assomos da irritação vinham sublevando-lhe a alma, recalcou-os esse poderoso sentimento do respeito à mulher, que raro abandona o homem de fina educação. Penetrado da impossibilidade de retribuir o ultraje à senhora a quem havia amado, escutava imóvel, cogitando no que lhe cumpria fazer; se matá-la a ela, matar-se a si, ou matar a ambos. Aurélia como se lhe adivinhasse o pensamento, esteve por algum tempo afrontando-o com inexorável desprezo.
– Agora, meu marido, se quer saber a razão por que o comprei de preferência a qualquer outro, vou dizê-la; e peço que não me interrompa. Deixe-me vazar o que tenho dentro desta alma, e que há um ano a está amargurando e consumindo. A moça apontou a Seixas uma cadeira próxima.
– Sente-se, meu marido.
Com que tom acerbo e excruciante lançou a moça esta frase, meu marido, que nos seus lábios ríspidos acerava-se como um dardo ervado de cáustica ironia! Seixas sentou-se. Dominava-o estranha fascinação dessa mulher, e ainda mais a situação incrível a que fora arrastado.
ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo, 1983.
Considerando o fragmento do romance Senhora, assinale a alternativa CORRETA.