“Sócrates – Portanto, meu amado Glauco, quando exigíamos que o sapateiro, o carpinteiro ou qualquer outro artesão exercesse bem seu ofício, sem intrometer-se em outras atividades, estávamos estabelecendo sem querer uma imagem da justiça.
Glauco – Aparentemente.
Sócrates – Com efeito, a justiça se parece perfeitamente com esta imagem, com a única diferença de que ela não governa os assuntos externos do homem, mas apenas seus assuntos internos, seu ser verdadeiro, não deixando que nenhum dos elementos da alma exerça uma tarefa que não lhe é específica, nem que os outros elementos usurpem mutuamente suas respectivas funções. Ela pretende que o homem coloque em perfeita ordem os seus reais problemas domésticos, que assuma o comando de si mesmo, discipline-se e conquiste a sua própria amizade; que institua um acordo perfeito entre os três elementos da sua alma, assim como entre os três tons extremos de uma harmonia — o mais agudo, o mais grave, o médio, e os intermédios, se os houver —, e que, ligando-os uns aos outros, transforme-se, de múltiplo que era, em uno, moderado e harmonioso; que somente, então, preocupe-se, se precisar se preocupar, em obter riquezas, em cuidar do corpo, em exercer sua atividade na política ou nos assuntos privados e que em todas essas ocasiões considere justa e honesta a ação que salvaguarda e contribui para completar a ordem que implantou em si mesmo, e sábia a ciência que governa essa ação; que, ao contrário, considere injusta a ação que destrói essa ordem e ignorante a opinião que governa esta última ação.
Glauco – Tudo isso, é a mais pura verdade, meu caro Sócrates.
Sócrates – Que seja. Agora, se afirmássemos que descobrimos o que é o homem justo, a cidade justa e em que consiste a justiça em um e na outra, creio que não nos enganaríamos em demasia.”
(PLATÃO. A República. Brasília: Editora Kiron, 2012)
Tendo o texto como referente, julgue o item:
Nesse diálogo de A República, percebe-se nitidamente a diferença que o pensador traça entre comportamento individual e político. Essas dimensões humanas seriam autônomas em relação à justiça.