Sonhei-me um tomate, maduro e pequeno, preso num cacho, com outros cinco, todos verdes. Sonhava um escândalo: ser um tomate. Sabia estar em sonho, mas não me acordava. Se tentava fugir, os irmãos verdes impediam. Não pediam, mas adivinhavam minha angústia. E eu, tomate, não possuía olhos para chorar ou boca para falar. Meu horror era de ser colhido e degolado. Fazia um esforço imenso para enverdecer. Verde, minha vida seria mais longa. As sementes tremiam, debatiam para se livrarem de minhas grades. O alívio veio com a manhã e deparei com a chuva penteando o quintal. A mulher de sentinela, já na beira do fogão, soprava as cinzas das brasas.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Vermelho amargo. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 43. Fragmento.
Esse fragmento foi extraído do romance Vermelho amargo, no qual Bartolomeu Campos de Queirós narra suas memórias de infância, que envolvem o pai, a madrasta (mulher mencionada nesse trecho), os cinco irmãos e a mãe morta. O sonho do protagonista revela que, após a morte da mãe, ele passou a viver em um ambiente