Questão
Simulado UECE
2022
Fase Única
VER HISTÓRICO DE RESPOSTAS
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TEXTO 1

Recado pro bolsinho da camisa

1. Não sei como você se chama, garoto, mas te vi um dia atravessando o viaduto de concreto.

2. Caía chuvisco.

3. Teus cabelos estavam ensopados e a camisa de brim grudada no teu corpo magro e ágil como flecha disparada pelo arco do trabalho.

4. Você corria saltando no reflexo do asfalto molhado, como bolinha de gude rolada na infância.

5. Não deu tempo para perguntar teu nome. Tuas pernas finas tinham pressa. Você carregava a maleta de mão com fecho cromado, e dentro dela havia o peso da responsabilidade de papéis sérios e urgentes, que deveriam chegar a um ponto qualquer da Cidade, antes que se fechassem os guichês e portarias.

6. Outra vez te vi, garoto.

7. Fazia então um sol redondo e cheio pendurado no travessão do espaço.

8. Outra vez, teus cabelos úmidos de suor, a camisa de brim manchada, as calças rústicas mostrando a marca da barra que tua mãe soltou de noite, fio por fio, com um sorriso e um orgulho: - O moleque está crescendo!

9. Não sei como você se chama, garoto.

10. Te conheço de vista escalando os edifícios, alpinista de elevadores, abridor de picadas na multidão, ponta de lança rompedor nesta briga de foice que são as ruas da Cidade.

11. Garoto que cresce sob o sol e chuva carregando na maleta cheques, duplicatas, títulos, recibos, cartas, telegramas, tutu, bufunfa, grana e um retrato da menina que te espera na lanchonete.

12. Teu nome é: -gente.

13. Inventaram outro nome enrolado para dizer que você é garoto do batente.

14. Office-boy.

15. Guri que finta branco, escritório, repartição, fila, balcão, pedido de certidão, imposto a pagar, taxa de conservação, título no protesto e que mata no peito e baixa no terreno quando encontra os olhos da garota da caixa, que pergunta de modo muito legal:

16. –Tem dois cruzeiros trocados?

17. Moleque valente que acorda cedo, engole café com pão, fala tchau mesmo, vai pro ponto do ônibus ou estação, se pendura na condução, se vira mais que pião, tem sua turma, conta vantagem, lê jornal na banca, esquenta a marmita, discute a seleção, e depois do almoço bebe um refrigerante gelado e pede uma esfirra com limão.

18. E depois toca de novo a zunir pela Cidade, conhecido em tudo que é esquina, oi daqui, oi dali, até que a tarde chega e o garoto sai correndo de volta pra casa, vestir o guarda-pó, apanhar a esferográfica, enfiar os cadernos na sacola e enfrentar a escola, o sono, a voz do professor, o quadro-negro, a equação de duas incógnitas, depois de ter passado o dia inteiro gastando sola.

19. Guri, teu nome é:–gente.

20. Menino de escritório, menino do batente, que agarra o trabalho com unhas e dentes, sem você a Cidade amanheceria paralisada como bicho enorme ao qual houvesse cortado as pernas.

21. Pois bem: este recado não é para ser entregue a ninguém, a não ser a você mesmo.

22. Se quiser, guarde-o no bolsinho da camisa.

23. Um dia, quando você estiver completamente crescido, quando tiver bigodes, telefones, papéis importantes para preencher, alguns cabelos brancos; e sua mãe não precisar (ou não puder mais) desmanchar a barra de suas calças que ficaram curtas; quando você tiver de dar ordens de serviço a outros garotos da Cidade, saberá que, para chegar a qualquer lugar, o segredo é não desistir no meio do caminho.

24. Mas não se esqueça de que as oportunidades não apenas se recebem ou se conquistam.

25. As oportunidades também devem ser oferecidas para que as pessoas pequenas saibam que seu nome é: – gente.

26. No futebol da vida, garoto, a parada é dura e a bola, dividida. Jogue o jogo mais limpo que você tiver. Jogue sério.

27. Não afrouxe se o passe recebido parecer longo demais.

28. Os mais bonitos gols da vida são marcados pelos que acreditam na força de seu pique.

29. Ponha esse recado no bolsinho da camisa, guri.

30. Um dia você descobrirá que a vida nem sempre é a conquista da taça.

31. Avida é participar do campeonato.

32. Vai nela, garotão!

DIAFÉRIA, Lourenço. Recado pro bolsinho da camisa. In. Antologia da crônica brasileira–de Machado de Assis a Lourenço Diaféria. São Paulo: Moderna, 2005.

Com relação às orações que estão destacadas nos períodos mencionados, assinale a afirmação INCORRETA:
A
“[...] como você se chama, garoto” (1º parágrafo) é uma oração subordinada adverbial conformativa, porque esse trecho indica um acordo, uma conformidade entre esse acontecimento e a ação registrada pelo verbo da oração principal
B
“[...] de que as oportunidades não apenas se recebem” (24º parágrafo) é uma oração subordinada substantiva objetiva indireta, porque o trecho é o objeto indireto da oração principal.
C
“[...] quando encontra os olhos da garota da caixa” (15º parágrafo) é uma oração subordinada adverbial temporal, porque expressa uma circunstância de tempo em relação ao fato registrado pelo verbo da oração principal.
D
“[...] que a vida nem sempre é a conquista da taça” (30º parágrafo) é uma oração subordinada substantiva objetiva direta, porque exerce a função de objeto direto em relação ao verbo da oração principal.