Questão
Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC - GO
2018
Fase Única
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TEXTO 3

Chuva: a abensonhada

Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. Que saudade me fazia o molhado tintintinar do chuvisco. A terra perfumegante semelha a mulher em véspera de carícia. Há quantos anos não chovia assim? De tanto durar, a seca foi emudecendo a nossa miséria. O céu olhava o sucessivo falecimento da terra, e em espelho, se via morrer. A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento? 

Agora, a chuva cai, cantarosa, abençoada. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedades de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima mas recado dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato que ela tanto me insiste. Indumentária tão exibível e eu envergando mangas e gangas. Tristere-za sacode em sua cabeça a minha teimosia: haverá razoável argumento para eu me apresentar assim tão descortinado, sem me sujeitar às devidas aparências? Ela não entende. 

Enquanto alisa os lençóis, vai puxando outros assuntos. A idosa senhora não tem dúvida: a chuva está a acontecer devido das rezas, cerimónias oferecidas aos antepassados. Em todo o Moçambique a guerra está parar. Sim, agora já as chuvas podem recomeçar. Todos estes anos, os deuses nos castigaram com a seca. Os mortos, mesmo os mais veteranos, já se ressequiam lá nas profundezas. Tristereza vai es-covando o casaco que eu nunca hei-de usar e profere suas certezas:

— Nossa terra estava cheia do sangue. Hoje, está ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas nem agora, desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este seu fato? 

— Mas, Tia Tristereza: não será está chover de mais? 

De mais? Não, a chuva não esqueceu os mo-dos de tombar, diz a velha. E me explica: a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um ausente filho. Para Tristereza a natureza tem seus serviços, decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos. 

Mas dentro de mim persiste uma desconfiança: esta chuva, minha tia, não será prolongadamente demasiada? Não será que à calamidade do estio se seguirá a punição das cheias? 

Tristereza olha a encharcada paisagem e me mostra outros entendimentos meteorológicos que minha sabedoria não pode tocar. Um pano sempre se reconhece pelo avesso, ela costuma me dizer. Deus fez os brancos e os pretos para, nas costas de uns e outros, poder decifrar o Homem. E apontando as nuvens gordas me confessa: 

— Lá em cima, senhor, há peixes e caranguejos. Sim, bichos que sempre acompanham a água. 

E adianta: tais bichezas sempre caem durante as tempestades.

— Não acredita, senhor? Mesmo em minha casa já caíram. 

— Sim, finjo acreditar. E quais tipos de peixes? 

Negativo: tais peixes não podem receber nenhum nome. Seriam precisas sagradas palavras e es-sas não cabem em nossas humanas vozes. De novo, ela lonjeia seus olhos pela janela. Lá fora continua chovendo. O céu devolve o mar que nele se havia alojado em lentas migrações de azul. Mas parece que, desta feita, o céu entende invadir a inteira terra, jun-tar os rios, ombro a ombro. E volto a interrogar: não serão demasiadas águas, tombando em maligna bondade? A voz de Tristereza se repete em monotonia de chuva. E ela vai murmurrindo: o senhor, desculpe a minha boca, mas parece um bicho à procura da floresta. E acrescenta: 

— A chuva está limpar a areia. Os falecidos vão ficar satisfeitos. Agora, era bom respeito o senhor usar este fato. Para condizer com a festa de Moçambique... 

Tristereza ainda me olha, em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros. Por que motivo eu tanto procuro a evasão? E por que razão a velha tia se aceita interior, toda ela vestida de casa? Talvez por pertencer mais ao mundo, Triste-reza não sinta, como eu, a atração de sair. Ela acredita que acabou o tempo de sofrer, nossa terra se está lavando do passado. Eu tenho dúvidas, preciso olhar a rua. A janela: não é onde a casa sonha ser mundo? 

A velha acabou o serviço, se despede enquanto vai fechando as portas, com lentos vagares. Entrou uma tristeza na sua alma e eu sou o culpado. Reparo como as plantas despontam lá fora. O verde fala a língua de todas as cores. A Tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo: 

— Tristereza, tira o meu casaco. 

Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede: não sacuda, essa aguinha dá sorte. E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo.

(COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. 5. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 43-46.)

O Texto 3 faz referência à chuva que cai, um pro-cesso que não envolve somente a água. Com ela vêm também partículas e gases da poluição. Especialmente quem vive em grandes centros urbanos precisa se preocupar com os males que a água da chuva pode desencadear. Assinale a alternativa correta sobre esse processo:
A
Sabe-se que a chuva é considerada ácida, quando seu pH está abaixo de 5,5. Há relatos de que, em determinadas regiões do planeta, a chuva apresentou um pH de 3. Isso equivale a uma concentração de íons hidrônio de 0,003 mol por litro.
B
Os óxidos de nitrogênio, carbono, sódio e enxofre são os principais responsáveis pelas chuvas ácidas.
C
A chuva também pode carrear macro e micronutrientes para o solo. Considerando que, em uma de-terminada região, haja uma precipitação de 1.000 litros de chuva por metro quadrado por ano e com ela sejam carreados 7 miligramas de partículas por litro, no final do ano, ter-se-ão depositado 7 gramas de partículas em 10 metros quadrados do solo.
D
Considerando que a quantidade de partículas provenientes da poluição nos céus de São Paulo pode variar entre 10 e 20 mil partículas por centímetro cúbico, uma pessoa inalando para seu pulmão 1 litro desse ar estará impregnando-o com uma média de 1,5 × 10⁷ partículas.