Questão
Faculdade Pernambucana de Saúde - FPS
2019
Fase Única
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TEXTO 4

Morte do leiteiro
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo. 
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo. 
Há no país uma legenda, 
que ladrão se mata com tiro. 
Então o moço que é leiteiro 
de madrugada com sua lata 
sai correndo e distribuindo 
leite bom para gente ruim. (...)

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve, 
antes desliza que marcha. 
É certo que algum rumor 
sempre se faz: passo errado, 
vaso de flor no caminho, 
cão latindo por princípio, 
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda, 
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico 
(ladrões infestam o bairro), 
não quis saber de mais nada. 
O revólver da gaveta 
saltou para sua mão.

Ladrão? se pega com tiro. 
Os tiros na madrugada 
liquidaram meu leiteiro. 
Se era noivo, se era virgem, 
se era alegre, se era bom, 
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono 
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente. (...) 
Quem quiser que chame médico, 
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai. 
Está salva a propriedade. (...)

Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno 
escorre uma coisa espessa 
que é leite, sangue... não sei. 
Por entre objetos confusos, 
mal redimidos da noite, 
duas cores se procuram, 
suavemente se tocam, 
amorosamente se enlaçam, 
formando um terceiro tom 
a que chamamos aurora.

ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. In. Nova reunião: 23 livros de poesia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 151-153. Excerto.

A produção de Carlos Drummond de Andrade faz parte do Segundo Momento Modernista. A Europa vive o avanço do nazifascismo e a II Guerra Mundial; e o Brasil vive o Estado Novo de Getúlio Vargas. É nesse período conturbado que Drummond passa a questionar o “estar-no-mundo” com uma poesia pungente e também politizada. Assinale o trecho poético que representa bem essa fase da produção de Drummond.
A
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: vai Carlos!
Ser gauche na vida.
B
E agora, José?
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
E agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José?  
C
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
D
Que pode uma criatura senão, 
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
E
Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?