TEXTO I
– Tais boatos precisam ser prontamente rechaçados. Vou pedir, para os devidos efeitos, as sábias e bastante superiores orientações. Se houver caso provado de corrupção, duras medidas serão tomadas.
Foram as promissoras ameaças do administrador no fecho do comício. Depois, para levantar a poeira sem mexer na areia, o administrador se abateu sobre o secretário lhe lançando acusações de desvios e abusos. Assane foi preso, sujado por mil bocas. Na prisão lhe bateram, chambocado (Chambocado: espancado com um chamboco (vara, pau) nas costas até que as pernas se exilaram daquele sofrimento que lhe era infligido. Perdeu o sentimento da cintura para baixo. Assane passou as palmas das mãos pelas desempregadas coxas. Tinha sido apenas há dias que lhe abriram a porta da prisão. Ainda nem sabia bem se arrastar de mãos pelo chão. Por isso as sacudia, limpando essas mãos que ele sempre aplicara nos documentos.
COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
TEXTO II
— O André?
— Deve ter dinheiro, sim. Aquilo é sabotagem.
— Mas porquê? – perguntou o Comissário.
— Vai lá saber porquê um burocrata sabota a guerra! Ou porque a guerra leva à formação de mais quadros, que um dia o podem substituir... Ou porque as coisas devem ser feitas dentro de normas que ele se criou e que não pode torcer de maneira nenhuma. Sei lá! Também não compreendo. Porque ele não guarda o dinheiro só para o gastar com mulheres. Gasta bastante com elas, ao que dizem tem uma série de amantes. Mas ele tiraria o dinheiro doutros setores menos fundamentais, os setores civis, para que a guerra não sofresse com a sua vida noturna. Era o que faria qualquer tipo, desonesto mas inteligente. Ele não. Vai exatamente sabotar o setor que o pode liquidar. Porque era fácil agora provocarmos aqui um levantamento. Haveria coisa mais fácil que levar os guerrilheiros até Dolisie para o prenderem? Brincadeira de crianças! Isso forçaria a Direção a tomar medidas, e quaisquer que elas fossem, ele tinha que ir bater com os ossos para outro sítio. Muitas vezes me pergunto se não será a única solução que nos resta...
PEPETELA. Mayombe. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.
Comente como a violência política acaba por se tornar um mecanismo repressor nos textos supracitados.