TEXTO I
As paredes, barradas de azulejos portugueses e, para o alto, cobertas de papel pintado, mostravam, nos seus desenhos repetidos de assuntos de caça, alguns lugares sem tinta, cujas manchas brancacentas traziam à ideia joelheiras de calças surradas. Ao lado, dominando a mesa de jantar, aprumava-se um velho armário de jacarandá polido, muito bem tratado, com as vidraças bem limpas, expondo as pratas e as porcelanas de gosto moderno; a um canto dormia, esquecida na sua caixa de pinho envernizado, uma máquina de costura de Wilson, das primeiras que chegaram ao Maranhão; nos intervalos das portas simetrizavam-se quatro estudos de Julien, representando em litografia as estações do ano; defronte do guarda-louça, um relógio de corrente embalava melancolicamente a sua pêndula do tamanho de um prato e apontava para as duas horas. Duas horas da tarde.
Não obstante, ainda permanecia sobre a mesa a louça que servira ao almoço. Uma garrafa branca, com uns restos de vinho de Lisboa cintilava à claridade reverberante que vinha do quintal. De uma gaiola, dependurada entre as janelas desse lado, chilreava um sabiá.
Fonte: AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2010.
TEXTO II
Foi então que Ana Rosa veio ao mundo; a princípio muito fraquinha e quase sem dar acordo de si. Manuel andava aflito, com medo de perdê-la. Que luta, os três primeiros meses de sua vida! Parecia morrer a todo instante, coitadinha! Ninguém dormia na casa; o negociante chorava como um perdido, enquanto a mulher fazia promessas aos santos da sua devoção.
Fonte: AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2010.
TEXTO III
No dia seguinte, por todas as ruas da cidade de São Luís do Maranhão, e nas repartições públicas, na Praça do Comércio, nos açougues, nas quitandas, nas salas e nas alcovas, boquejava-se largamente sobre a misteriosa morte do Dr. Raimundo, era a ordem do dia.
Contava-se o fato de mil modos; inventavam-se lendas; improvisavam-se romances. O cadáver fora recolhido pela Santa Casa de Misericórdia; procedeu-se a um corpo de delito; verificou-se que o paciente morrera a tiro de bala, mas a polícia não descobriu o assassino.
Fonte: AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2010.
TEXTO IV
Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não fossem os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia eram os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.
Tinha os gestos bem-educados, sóbrios, despidos de pretensão; falava em voz baixa, distintamente, sem armar ao efeito; vestia-se com seriedade e bom gosto; amava as artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política.
Fonte: AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2010.
TEXTO V
E jurava que filha sua não havia de aprender semelhante instrumento, porque as desavergonhadas só queriam aquilo para melhor conversar com os namorados, sem que os outros dessem pela patifaria!
Também dizia mal da iluminação a gás:
- Dantes, os escravos tinham que fazer! Mal serviam a janta, iam aprontar e acender os candeeiros, deitar lhes novo azeite e colocá-los no seu lugar... E hoje? É só chegar o palitinho de fogo à bruxaria do bico do gás e... caia-se na pândega! Já não há tarefa! Já não há cativeiro! É por isso que eles andam tão descarados! Chicote! Chicote, até dizer basta! Que é do que eles precisam. Tivesse eu muitos, que lhes juro, pela bênção de minha madrinha, que lhes havia de tirar sangue do lombo!
Fonte: AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2010.
O único comentário correto relativo ao emprego dos sinais de pontuação, no texto V, é que