TEXTO I
Dona Tonica foi buscar o retrato. Era uma fotografia; representava um homem de meia-idade, cabelo curto, raro, olhando espantado para a gente, cara chupada, pescoço fino e paletó abotoado.
– Que lhe parece?
– Muito bem.
Dona Tonica recebeu o retrato e fitou-o alguns instantes; mas, tirou logo os olhos, e deixou-se estar sentada, enquanto a imaginação saiu a esperar o Rodrigues. Chamava-se Rodrigues. Era mais baixo que ela – coisa que o retrato não dava – e empregado em uma repartição do ministério da guerra. Viúvo, com dois filhos, um que estava no batalhão dos menores, outro que era tuberculoso – doze anos – condenado à morte. Que importa? Era o noivo; todas as noites, ao recolher-se, dona Tonica ajoelhava-se ante a imagem de Nossa Senhora, sua madrinha, agradecia-lhe o favor e pedia-lhe que a fizesse feliz. Sonhava já com um filho; havia de chamar-lhe Álvaro.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2016, p. 358-359.
TEXTO II
Mas passemos ao Humanitismo, a mais célebre das filosofias machadianas. Como sugere o nome, trata-se de uma sátira à floração oitocentista de ismos, com alusão explícita à religião comtiana da humanidade. Os raciocínios fazem pensar em mais outras filiações, já que em lugar dos princípios positivistas afirmam a luta de todos contra todos, à maneira do darwinismo social. A própria guerra generalizada, contudo, não passa de ilusão, pois tem fundamento monista: Humanitas é o princípio único de todas as coisas, residindo igualmente nas partes vencida e vencedora, no condenado e no algoz, de sorte que não há perda alguma onde parece haver uma desgraça. Daí que a dor não existe nem tem cabimento. “(...) substancialmente, é Humanitas que corrige em Humanitas uma infração à lei de Humanitas” [Memórias póstumas de Brás Cubas].
A par das teses da struggle for life, o Humanitismo inclui o elogio da sociedade hierárquica e ritualizada, difícil de conciliar com aquelas primeiras. A inconsistência contribui para o tom geral de disparate, sem prejuízo de captar admiravelmente a aspiração por “ordem e progresso” de várias teorias sociológicas do tempo, que ao propósito científico e antitradicional uniam uma posição conservadora, bem como formas sucedâneas de providencialismo e culto religioso.
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo – Machado de Assis. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 1997, p. 155.
No trecho I, a passagem do romance realista denota vários elementos presentes no estilo do autor, EXCETO: