TEXTO I
Um começo muito louco
“Ora, a mente é dita sã”, escreveu Erasmo em O elogio da loucura (1509), “desde que controle adequadamente todos os órgãos do corpo”. Embora escrita quase 500 anos atrás num tratado em defesa do cristianismo, essa frase expressa mais ou menos nossas suposições modernas sobre a sanidade. Em primeiro lugar, que a sanidade é uma qualidade da mente, não do corpo (não descrevemos os corpos das pessoas como sãos ou insanos). Em segundo lugar, que é a função da mente sã controlar o corpo, e portanto que o corpo ficaria descontrolado — ou pelo menos fazendo coisas proibidas — se não estivesse sob a égide da mente. Em terceiro lugar, que o corpo é não só o tipo de objeto que pode ser controlado, como também o tipo de objeto que pode ser adequada ou inadequadamente controlado; portanto, o que a mente sã implica acima de tudo é adequação. E por fim, mas não menos importante, há um fator temporal envolvido. Para ter sanidade precisamos de uma mente, e precisamos de uma mente para controlar um corpo que de outro modo seria insano, mas a mente é dita sã, como dizia Erasmo, apenas “desde que” controle os órgãos do corpo. A sugestão é que a sanidade é precária, não uma condição permanente. A questão passa a ser não só se a mente sã pode controlar o corpo, mas por quanto tempo.
(PHILLIPS, Adam. Louco para ser normal. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 63)
TEXTO II
Descobriu-se na Oceania, mais precisamente na Uma comissão de cientistas europeus e ilha de Ossevaolep, um povo primitivo, que anda de americanos estuda a linguagem desses homens e cabeça para baixo e tem vida organizada. mulheres, não tendo chegado ainda a conclusões É aparentemente um povo feliz, de cabeça muito publicáveis. Alguns professores tentaram imitar esses sólida e mãos reforçadas. Vendo tudo ao contrário, não nativos e foram recolhidos ao hospital da ilha. Os perde tempo, entretanto, em refutar a visão normal do cabecences-para-baixo, como foram denominados à mundo. E o que eles dizem com os pés dá a impressão falta de melhor classificação, têm vida longa e de serem coisas aladas, cheias de sabedoria. desconhecem a gripe e a depressão.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 150)
No texto I (Um começo muito louco), apresentam-se três suposições sobre a sanidade. Relacione o conteúdo da terceira suposição ao texto II (Os diferentes), tendo em vista o estilo de vida do povo de Ossevaolep.