TIRADENTES, O CURADOR
§1 Aonde ia, Tiradentes carregava consigo sua bolsa com instrumentos odontológicos, podendo assim atender em domicílio. Apesar de todos os obstáculos (ausência de formação acadêmica, carência de livros científicos, pacientes em estado agravado ou crítico, terapêutica limitada, falta de anestesia e precariedade dos instrumentos), Joaquim era um sucesso como tira-dentes. Não se conhece uma única censura ao seu trabalho, enquanto os elogios podiam ser ouvidos mesmo entre os críticos de sua conduta privada. Dois desafetos testemunharam publicamente sua “habilidade” em extrair dentes. Um admirador relatou que Joaquim “tirava […] dentes com a mais sutil ligeireza”.
§2 Joaquim não se limitava à extração de dentes. Ele fabricava e implantava dentes postiços, muito provavelmente feitos de ossos de animais. Possuía inclusive uma oficina de próteses, onde trabalhava com tigelas, pilão, cadinho e frascos de vidro. O resultado, mais uma vez, agradava à clientela, inclusive no quesito estético. Joaquim “ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais”, segundo uma testemunha.
§3 Ao longo de sua carreira, Tiradentes conquistaria uma clientela expressiva em Vila Rica, onde fincaria sua base a partir de 1775. Mas, como viajava muito, possuía pacientes em praças variadas, inclusive no Rio de Janeiro.
§4 Ainda no campo da saúde, Joaquim José da Silva Xavier atuava também nas áreas da farmácia e da medicina. Tiradentes conhecia bem as ervas medicinais e sabia preparar remédios naturais, perícia possivelmente adquirida com seu primo naturalista José Mariano da Conceição Veloso. Joaquim atendia doentes, prescrevia receitas e dizia ter “alguma inteligência de curativo”. E devia ter mesmo, pois sua reputação era boa, como comprovam relatos, repletos de enorme gratidão, de pessoas atendidas por ele.
§5 A atuação de Joaquim nas áreas da farmácia e da medicina se dava em condições muito parecidas com as que ele encontrava na odontologia. Na colônia, de forma geral, os hábitos de higiene eram raríssimos, e os cuidados com a saúde pública, precários. Nos centros urbanos, o lixo acumulado nas ruas se misturava às fezes dos animais e ao esgoto, que corria a céu aberto. As pessoas se alimentavam mal e não valorizavam o banho. Nas casas, barris eram usados para acumular excrementos humanos. Já as sedes das fazendas eram rodeadas por senzalas, granjas e estábulos imundos.
§6 Em um ambiente marcado pela inexistência de escolas especializadas, pela ausência de publicações científicas, pela carência absoluta de profissionais habilitados e pela forte propagação de métodos de tratamento inócuos ou até mesmo contraindicados (basta lembrar que sangrias e ventosas eram tidas como panaceia), Tiradentes se virava bem — mesmo não tendo formação acadêmica e, por consequência, licença para produzir remédios ou para clinicar. Quando se lançava ao desafio de curar, Joaquim não evocava Deus ou forças sobrenaturais, como era comum no meio clínico de sua época. Mas, quando era o caso, tinha sensibilidade para adicionar um quê de subjetividade ao tratamento. Foi o que aconteceu na ocasião em que atendeu, em um quartel no Rio de Janeiro, o ajudante de artilharia João José Nunes Carneiro. Depois de ouvir as queixas sobre uma moléstia e de saber que o paciente tinha pouca esperança de melhora, Joaquim lhe receitou Minas Gerais: “Vamos para Minas, que logo sara com ares benéficos e diferentes”. Ao citar os “ares benéficos” Tiradentes se referia às proclamadas virtudes do clima de certas regiões da capitania. Quanto aos “ares diferentes”, como bem percebeu o militar, o que Joaquim insinuava era outra coisa. Em Minas, respirava-se “o louco desejo de liberdade”.
(FIGUEIREDO, Lucas. O Tiradentes: Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Edição Ebook, posição 1133 a 1172.)
A “subjetividade conferida ao tratamento”, conforme se lê no último parágrafo do texto, relaciona- se a Minas Gerais. Tendo em vista o contexto a que se refere a biografia, essa subjetividade se relaciona CORRETAMENTE com: