Texto 1
Eles moram na zona sul do Rio de Janeiro e, do alto de suas moradias, têm acesso a vistas privilegiadas, como as praias do Leblon, de Ipanema e do Arpoador, o Pão de Açúcar, a Pedra Bonita ou a Pedra da Gávea. Nãodesembolsam um centavo por isso, mas, em compensação, pagam o preço de viver sem infra-estrutura. Em pleno século 21, são três moradores de caverna.
O mineiro Mário Lúcio Mendes, 43, conhecido como Rambo, mora na Rocinha, favela de São Conrado, que, de acordo com o Censo de 2000 do IBGE, tem 56.338 habitantes. Sua caverna possui cama de casal, geladeira, fogão e um exaustor para que o ar circule ali dentro.
Próximo dele, no vizinho morro do Vidigal, o também mineiro Francisco Couto, 70, é um dos 13.719 moradores da favela. Chico da Pedra, como é conhecido, mudou há dezoito anos para uma pequena gruta. O lugar tem luz elétrica e até endereço para correspondência, mas a água tem que ser armazenada em latas no quintal.
O terceiro homem das cavernas vive mais isolado. Severino Gomes, 53, nascido em Pernambuco, mora há 25 anos no meio da mata, sem energia elétrica nem água encanada, no pé do Pão de Açúcar, no bairro da Urca.
Estes três personagens do Rio têm algo em comum: foram morar em cavernas ao ficarem desempregados.Grutas e cavernas são tidas – ao lado de ruas e viadutos – como “moradias improvisadas”, onde, de acordo com o Censo, estão cerca de 0,5% dos domicílios do país.
(BORTOLOTI, Marcelo. Rio abriga homens da caverna do século 21. Folha de S. Paulo, São Paulo,18 jul. 2004. Cotidiano. p. 5)
Texto 2
O Homem em sua caverna
De início, ele tentou adaptar-se à nova vida; já que teria de viver na caverna, faria daquilo um lugar confortável. Assim, colocou ali uma cama, um fogão, um pequeno armário. Mas a verdade é que, apesar da cama, do fogão, do armário, o lugar continuava uma caverna, uma espécie de buraco na grande montanha. Deu-se conta: quem tinha de se transformar era ele. Se vivia na caverna, seria um homem da caverna. Um troglodita.
Não foi fácil. Para começar, livrou-se de tudo que podia lembrar conforto e modernidade: a cama, o fogão, o armário. E também a toalha, a escova de dentes, o pente. Já não pediria esmolas nem buscaria comida no lixo; homem primitivo, iria em busca da caça. Confeccionou um rudimentar arco e flecha e também uma espécie de tacape. Animais ali não eram muitos, mas ele conseguia abater algumas aves e também uns gatos cujas peles, aliás, usou para fazer uma espécie de tanga, jogando fora suas esfarrapadas roupas.
No começo, comia a carne crua. Mas a humanidade progride, e lá pelas tantas o habitante das cave rnas resolveu fazer fogo. Nada de fósforos, nada de isqueiros – essas coisas queria esquecer. Não, tratou de produzir chamas do mesmo modo que os índios, esfregando dois pauzinhos. Coisa lenta e trabalhosa, mas dispunha de todo o tempo do mundo, de modo que finalmente conseguiu acender uma fogueira no meio da caverna – uma fogueira que ele, claro, não deixaria se apagar. Lenha, felizmente, era coisa que não faltava na região. Ainda havia ali mata nativa.
Mas havia, sim, uma coisa que lhe fazia falta: mulher. Fêmea, melhor dizendo. Àquela altura já não podia namorar. Não só pelo fato de andar sempre de tanga; também porque estava fazendo um esforço consciente para deixar de falar, para esquecer as palavras que conhecia. Sua linguagem, daí em diante, se limitaria a grunhidos.
E com grunhidos se dirigiu a uma mulher, uma jovem que encontrou vagando pela mata. Ela olhou-o, assustada, fugiu. Ele correu atrás dela e fez o que os trogloditas faziam quando queriam fêmea: golpeou-a na cabeça com o tacape. Trouxe-a, desacordada, para a caverna. Pretendia cuidar dela com todo o carinho que lhe permitia a sua condição primitiva, mas tão logo se distraiu, ela fugiu.
Desde então, ele não sai mais da caverna. Não por medo que ela volte com a polícia. O que ele teme, mesmo,são os dinossauros. Que, como se sabe, já foram os donos da Terra.
(SCLIAR, Moacyr. O homem em sua caverna. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 de jul. 2004. Cotidiano. p.2.)
Com base nos textos, é correto afirmar: