Texto 1
TARSILA – Seu presente de aniversário.
OSWALD – Mas que coisa extraordinária! Eu vou telefonar para o Raul Bopp e pedir que ele venha imediatamente!
TARSILA – Afinal, você gostou ou não gostou?
OSWALD – É a melhor coisa que você fez na vida! Parece um selvagem, uma criatura do mato, um/
TARSILA – (Emenda) Um antropófago?
OSWALD – É isso aí! Como vamos chamá-lo?
TARSILA – (Abre o dicionário de Montoya) Abaporu, na língua dos índios, é o homem que come carne humana.
OSWALD – Então pronto. Está batizado.
FOCO EM MÁRIO.
MÁRIO – Abaporu?!
TARSILA – Você gosta? O Raul Bopp achou esquisito, mas gostou muito.
MÁRIO – Eu também gosto muito. Como é que chegou a isso?
TARSILA – Também me pergunto! Esse pé, essa mão, essa cabecinha de alfinete, o cactos ao fundo! Parece personagem de história de assombração...
MÁRIO – Eu sou contra as palavras que literatizam o quadro prejudicando a sensação estética puramente plástica. Mas esse indígena tem cheiro forte de terra brasileira...
OSWALD – O índio é que era feliz! Vivia sem leis e sem reis. Não tinha polícia, recalques, nem Freud, nem vergonha de ficar pelado! Que tal se a gente voltasse a comer tudo de novo? O que você acha de lançar um movimento, hein, Mário?
MÁRIO – Outro movimento?
OSWALD – Um movimento nativista como nunca se viu! Contra o europeu que chegou trazendo a gramática, a catequese e a idéia do pecado! Foi isso que acabou com o Brasil, Mário!
MÁRIO E TARSILA RIEM.
OSWALD – Vamos nos tornar antropofágicos e lançar oficialmente a Antropofagia Brasileira de Letras!
[...]
OSWALD – Vocês não compreendem que é necessário vir tudo abaixo! Não atinaram para a ação nefanda da catequese e da submissão à cultura européia! Eles não têm nada pra dar pra gente!
TARSILA – Mas você se expressa na língua deles para dizer isso! E tem mais uma coisa: a primeira pessoa que falou de antropofagia foi o Mário!
OSWALD – O quê???!!!
TARSILA – “Vamos tratar de engolir a Europa! O que não der pra digerir a gente cospe fora!” Quem disse que o Brasil devia funcionar como um grande estômago quatro anos atrás!?!
AMARAL, Maria Adelaide. Tarsila. São Paulo: Globo, 2004. p. 46 e 50.

A tela “Abaporu” (1928), referida no texto 1, inspirou o movimento antropofágico. O diálogo entre as personagens na peça Tarsila caracteriza esse movimento por meio da descrição do “Abaporu”. A tela “A negra” (1923) é precursora da fase antropofágica.
Observando os temas, as formas e a composição das imagens, explique por que a tela “Antropofagia” (1929) dá continuidade ao movimento lançado em 1928.