Texto 3
Caramuru – Canto II
Frei José de Santa Rita Durão
14 Mas Diogo naqueles intervalos,
suspendendo o furor do duro Marte,
esperança concebe de amansá-los,
uma vez com terror, outra com arte:
A viseira levanta, e vai buscá-los,
mostrando-se risonho em toda a parte:
Levantai-vos (lhe diz) e assim dizendo,
ia-os co'a própria mão da terra erguendo.
15 Gupeva, que no traje mais distinto
parecia na turba do seu Povo,
o Principal no mando, meio extinto,
pelo horror de espetáculo tão novo
tremendo em pé ficou, sem voz, e instinto,
e caíra sem dúvida de novo,
se nos braços Diogo o não tomara,
e d'água ali corrente o borrifara.
16 Não temas (disse afável) cobra alento;
e suprindo-lhe acenos o idioma,
dá-lhe a entender, que todo esse armamento
protege amigos, se inimigos doma:
Que os não ofende o bélico instrumento,
quando de humana carne algum não coma;
que se a comerdes, tudo em cinza ponho...
E isto dizendo, bate o pé, medonho.
17 Toma nas mãos (lhe diz) verás que nada
te hão de fazer de mal; e assim falando,
põe-lhe na mão a partasana, e espada,
e vai-lhe à fronte o morrião lançando.
Diminui-se o horror na alma assombrada,
e vai-se pouco a pouco recobrando,
até que a si tornando reconhece
donde está, com quem fala, e o que lhe oferece.
18 Se d'além das montanhas cá t'envia
o grão-Tupá (lhe diz) que em nuvem negra
escurece com sombra o claro dia,
e manda o claro Sol, que o Mundo alegra;
se vens donde o Sol dorme, e se à Bahia
de alguma nova Lei trazes a regra;
acharás, se gostares, na cabana,
mulheres, caça, peixe, e carne humana.
19 A carne humana! (replicou Diogo,
e como pode, explica em voz, e aceno)
se vir que come algum, botarei fogo;
farei que inunde em sangue esse terreno.
pois se os bichos nos devem comer logo,
(o Bárbaro lhe opõe com desempeno)
a nós faz-nos horror, se eles nos comem;
e é menos triste que nos trague um homem.
20 O corpo humano (disse o Herói prudente)
como o brutal não é: desde que nasce,
é morada do Espírito eminente,
em quem do grão-Tupá se imita a face.
Sepulta-se na terra, qual semente,
que se não apodrece, não renasce;
tempo virá, que aos corpos reunida,
torne a noss'alma a respirar com vida.
21 O Lume da razão condena a empresa,
pois se o infando apetite o gosto adula,
para extinguir a humana Natureza,
sem mais contrários, bastaria a gula.
que se a malícia em vós, ou se a rudeza,
o instinto universal de todo anula,
é contudo entre os mais coisa temida,
que outrem por vos comer, vos tire a vida.
Fonte: COHN, Sérgio (org). Poesia.br – período colonial. Rio de Janeiro: Azougue, 2012. p. 72-73
Texto 4
Soneto XVVIII
Claudio Manuel da Costa
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci: oh! quem cuidara
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza.
Amor, que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:
Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei, que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
Fonte: COSTA, Claudio Manuel da. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 95.
Tanto o texto 1 quanto o texto 2 são pertencentes à estética literária do Arcadismo. Uma das características marcantes da escola arcádica é a imitação da tradição greco-romana. Por isso, esse estilo também é conhecido como?