Texto 3

Bh, junho de 1925.
Mário dear,

SANTIAGO, Silviano. “Conversei ontem à tardinha com o nosso querido Carlos” In Histórias mal contadas. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p. 162-163.
Texto 4
O Lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.
Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
outra sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.
O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1979, p. 147-148.
a) No conto de Silviano Santiago, um dos mais representativos escritores da literatura brasileira contemporânea, o narrador escreve uma carta fictícia a Mário de Andrade sobre a maneira como o então jovem poeta Carlos Drummond de Andrade pensava a linguagem e a criação poética. Considerando que os dois autores citados são referências do nosso modernismo, analise, no contexto da carta, a afirmação “Carlos é um parnasiano enrustido” (linha 9), a partir de uma comparação entre a poética parnasiana e a modernista.
b) No texto 3, Silviano Santiago emprega alguns recursos típicos da linguagem informal. Transcreva dois exemplos de recursos diferentes, explicando por que considera informais esses usos.