Texto 3
Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Foreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1976, p.202.
Texto 4
2 de maio de 1958.
Eu não sou indolente. Há tempos que eu pretendia fazer o meu diario. Mas eu pensava que não tinha valor e achei que era perder tempo.
… Eu fiz uma reforma em mim. Quero tratar as pessoas que eu conheço com mais atenção. Quero enviar um sorriso amavel as crianças e aos operarios.
… Recebi intimação para comparecer as 8 horas da noite na Delegacia do 12. Passei o dia catando papel. A noite os meus pés doiam tanto que eu não podia andar. Começou chover. Eu ia na Delegacia, ia levar o José Carlos. A intimação era para ele. O José Carlos está com 9 anos.
3 de maio.
... Fui na feira da Rua Carlos de Campos, catar qualquer coisa. Ganhei bastante verdura. Mas ficou sem efeito, porque eu não tenho gordura. Os meninos estão nervosos por não ter o que comer.
6 de maio.
De manhã não fui buscar agua. Mandei o João carregar. Eu estava contente. Recebi outra intimação. Eu estava inspirada e os versos eram bonitos e eu esqueci de ir na Delegacia. Era 11 horas quando eu recordei do convite do ilustre tenente da 12ª Delegacia.
... O que eu aviso aos pretendentes a politica, é que o povo não tolera a fome. E preciso conhecer a fome para saber descrevê-la.
Estão construindo um circo aqui na Rua Araguaia, Circo Theatro Nilo.
9 de maio.
Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: Faz de conta que eu estou sonhando.
10 de maio.
Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem amavel! Se eu soubesse que ele era tão amavel, eu teria ido na delegacia na primeira intimação. (...) O tenente interessou-se pela educação dos meus filhos. Disse-me que a favela é um ambiente propenso, que as pessoas tem mais possibilidades de delinquir do que tornar-se util a patria e ao país. Pensei: Se ele sabe disso, porque não faz um relatorio e envia para os politicos? O senhor Janio Quadros, o Kubstchek e o Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira. Não posso resolver nem as minhas dificuldades.
... O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.
Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas crianças.
11 de maio.
Dia das Mães. O céu está azul e branco. Parece que até a Natureza quer homenagear as mães que atualmente se sentem infeliz por não realisar os desejos dos seus filhos.
... O sol vai galgando. Hoje não vai chover. Hoje é o nosso dia.
... A D. Teresinha veio visitar-me. Ela deu-me 15 cruzeiros. Disse-me que era para a Vera ir no circo. Mas eu vou
... Ontem eu ganhei metade de uma cabeça de porco no Frigorifico. Comemos a carne e guardei os ossos. E hoje puis os ossos para ferver. E com o caldo fiz as batatas. Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não são exigentes no paladar.
... Surgiu a noite. As estrelas estão ocultas. O barraco está cheio de pernilongos. Eu vou acender uma folha de jornal e passar pelas paredes. É assim que os favelados matam mosquitos.
DE JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo. Diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2007, p.29-31.
Nota dos editores:
Esta edição respeita fielmente a linguagem da autora, que muitas vezes contraria a gramática, mas que por isso mesmo traduz com realismo a forma de o povo enxergar e expressar seu mundo.
a) Determine o estilo de época do Texto 3, justificando a sua resposta.
b) A partir da leitura do Texto 4, comente a relevância do livro “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, como uma narrativa que reforça a tendência neorrealista no panorama da literatura brasileira contemporânea.