Questão
Simulado UECE
2023
Fase Única
Texto-IA-gloria-bala80012448815
Texto I

A glória da bala perdida

“Quatro são feridos por bala perdida.”

Cotidiano, 7 nov. 1996

Que triste destino o meu, suspirava a Bala Perdida. E tinha razão: entre as Balas Certeiras, a sua reputação era lamentável, para dizer o mínimo. À diferença delas, a Bala Perdida não tinha rumo certo, não tinha alvo definido. Disparada a esmo, ela ia cravar-se numa parede, ou no tronco de uma árvore, ou simplesmente perdia-se. Poderia até cair na água suja de um charco qualquer, onde ficaria por muito tempo, até que misericordiosa ferrugem viesse corroer o metal de que era feita, terminando assim com o seu sofrimento.

O pior não era tanto o fracasso, que afinal é parte da existência. O pior era a inveja. As Balas Certeiras se gabavam, e com razão, do estrago que faziam. Hoje vou estourar um crânio, dizia uma, e outra acrescentava: hoje vou varar um pulmão. Havia aquelas que sonhavam em destruir múltiplos órgãos, ou atingir mais de uma pessoa de cada vez.

A Bala Perdida não podia permitir-se esses sonhos. As outras sabiam disso. Mal eram colocadas no tambor do revólver, começavam a debochar: então, o que vai ser hoje? Um muro caindo aos pedaços? A parede de um barraco imundo? A Bala Perdida nada respondia. Aguardava somente o doloroso instante da percussão, aquele instante em que, depois da explosão, seria projetada no espaço infinito, rumo a um alvo infamante.

E de repente isso mudou.

Um dia o revólver disparou várias vezes. As Balas Certeiras partiam, alegres. Quando chegou a vez da Bala Perdida ela foi, resignada, esperando sofrer o impacto humilhante em tijolo de barro ou em madeira apodrecida. Mas não; para sua surpresa foi em carne que ela mergulhou, a carne macia da perna de um homem. Ele gritou, e seu grito foi música para a Bala Perdida. Seguiu-se uma jornada excitante: o homem foi levado para o hospital e uma operação foi necessária e o cirurgião comentou com os assistentes: Puxa vida, foi difícil extrair essa bala perdida. Mandou recolhê-la num saco plástico. E ali, examinada por muitos, a Bala Perdida viveu seu instante de glória maior. Queriam saber de seu calibre, queriam saber de onde tinha sido disparada, queriam até examiná-la sob lentes.

A hora das Balas Perdidas tinha chegado. Daí em diante elas passariam a fazer parte do noticiário, ganhando até manchetes. Havia, sim, um deus das Balas Perdidas. E ele tinha por fim manifestado a sua vontade poderosa.

(Moacyr Scliar. O imaginário cotidiano. Versão Digital, 2013.)

Texto II

A cada 15 dias uma pessoa é atingida por bala perdida no Ceará

Escrito por Redação, [email protected] 12:00 - 01 de Novembro de 2021. Atualizado às 13:28

Em menos de um ano e seis meses, 33 pessoas foram alvejadas por balas perdidas no Ceará. Todas elas vítimas da violência, que não tinham ligação com a situação do confronto armado. Estavam na hora e no lugar errado, como muitos resumem os episódios. (...)

As vítimas de bala perdida em sua maioria, estavam em territórios periféricos e estavam próximas ou presenciaram algum conflito armado. Chama a atenção, principalmente, a vitimização de crianças e adolescentes vítimas de bala perdida, um problema enfrentado também em outros estados (Rio de Janeiro, por exemplo)" (...)

Carmen Silva Evangelista, 61, estava na esquina de casa, conversando com as amigas quando foi atingida por uma bala perdida. A idosa é o caso mais recente de morte por bala perdida registrado no Estado. A morte foi registrada no último domingo (24), no bairro Pici.

Um dos filhos, Diego Evangelista, tentou socorrer a mãe acreditando que ela estava apenas desmaiada, mas quando chegou à unidade hospitalar mais próxima foi comunicado sobre o óbito. "Era tudo para nós", resume o filho sobre a saudade sentida pela família.

Diego conta que no último domingo viu a mãe conversando com a esposa dele. Em seguida, Carmen desceu as escadas e saiu de casa. Ele lavava o carro e pensou que a matriarca já tinha voltado para casa, mas não. Ouviu dizer que dois homens passaram em uma moto aparentemente em busca de um desafeto. Quando o rival teria percebido de quem se tratava, correu, e um dos disparos acabou atingindo Carmen.

"Ouvi o barulho. Quando chego na esquina me deparo com minha mãe caída ao solo. Peguei ela e socorri. Vi o outro rapaz e socorri, coloquei no carro também. Não vi sangue na minha mãe, mas ela já estava morta. A bala perfurou pulmão e coração", diz.

Diego pede que o ocorrido não fique impune e que as autoridades encontrem os responsáveis pelo homicídio: "Ela deixou três filhos órfãos, deixou os netos. Agora vamos recomeçar nossas vidas e queremos que os culpados sejam punidos. Quem souber quem foi, peço que denuncie para o crime não ficar em vão. Esperamos punição. Eles mataram uma mãe de família, não foi qualquer pessoa".

(Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/a-cada-15-dias-uma-pessoa-morre-atingida-por-bala-perdida-no-ceara-1.3152624.)

Em qual dos trechos a seguir, há apagamento de elemento verbal?
A
“Um dia o revólver disparou várias vezes. As Balas Certeiras partiam, alegres.”
B
“Ele lavava o carro e pensou que a matriarca já tinha voltado para casa, mas não.”
C
"O pior não era tanto o fracasso, que afinal é parte da existência. O pior era a inveja.”
D
“Aguardava somente o doloroso instante da percussão, aquele instante em que, depois da explosão, seria projetada no espaço infinito, rumo a um alvo infamante.”