Questão
Universidade Federal de Viçosa - UFV
2017
Fase Única
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Texto I

As proezas de João Grilo

João Grilo foi um cristão
Que nasceu antes do dia,
Criou-se sem formosura,
Mas tinha sabedoria
E morreu depois da hora,
Pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
Chorou no bucho da mãe,
Quando ela pegou um gato
Ele gritou: — Não me arranhe
Não jogue neste animal,
Que talvez você não ganhe!
Na noite que João nasceu,
Houve um eclipse na lua,
E detonou grande vulcão
Que ainda hoje continua;
Naquela noite correu
Um lobisomem na rua.

Porém João Grilo criou-se
Pequeno, magro e sambudo
As pernas tortas e finas,
Boca grande e beiçudo.
No sítio onde morava,
Dava notícia de tudo.
João perdeu o pai
Com sete anos de idade.
Morava perto dum rio,
Ia pescar toda tarde.
Um dia fez uma cena,
Que admirou a cidade.

O rio estava de nado.
Vinha um vaqueiro de fora.
Perguntou: — Dará passagem?
João Grilo disse: — Ainda agora,
O gadinho de meu pai
Passou com o lombo de fora.

Vaqueiro botou o cavalo,
Com uma braça deu nado;
Foi sair muito embaixo,
Quase que morre afogado.
Voltou e disse ao menino:
— Você é um desgraçado!
João Grilo foi ver o gado
Para provar aquele ato;
Vinha trazendo na frente
Um bom rebanho de pato —
Os patos passaram n'agua,
João provou que era exato.

[...]

A fama então de João Grilo
Foi de nação em nação,
Por sua sabedoria
E por seu bom coração.
Sem ser por ele esperado
Um dia foi convidado
Para visitar um sultão.

O rei daquele país
Quis o reino embandeirado
Pra receber a visita
Do ilustre convidado.
O castelo estava em flores,
Cheio de tantos fulgores,
Ricamente engalanado.

As damas da alta corte
Trajavam decentemente,
Toda corte imperial
Esperava impaciente,
Ou por isso ou por aquilo
para conhecer João Grilo,
figura tão eminente.

Afinal, chegou João Grilo
No reinado do Sultão.
Quando ele entrou na corte,
Que grande decepção!
De paletó remendado!
Sapato velho furado,
Nas costas um matulão!

O rei disse: — Não é ele,
Pois assim já é demais!
João Grilo pediu licença,
Mostrou-lhe as credenciais —
Embora o rei não gostasse,
Mandou que ele ocupasse
Os aposentos reais.

Só se ouvia cochichos,
Que vinham de todo lado.
As damas então diziam:
— É esse o homem falado?
Duma pobreza tamanha
E ele nem se acanha
De ser nosso convidado?

Até os membros da corte
Diziam num tom chocante:
— Pensava que o João Grilo
Fosse dum tipo elegante —
Mas nos manda um remendado,

Sem roupa, esfarrapado,
Um maltrapilho ambulante!

E João Grilo ouvia tudo,
Mas sem dar demonstração.
Em toda a corte real
Ninguém lhe dava atenção.
Por mostrar-se esmolambado,
Tinha sido desprezado
Naquela rica nação.

Afinal, veio um criado
E disse sem o fitar:
— Já preparei o banheiro
Para o senhor se banhar.
Vista uma roupa minha
E depois vá pra cozinha,
Na hora de almoçar.

João Grilo disse; — Está bem!
Mas disse com seu botão:
―Roupas finas trouxe eu,
Dentro de meu matulão!
Me apresentei rasgado,
Para ver, neste reinado,
Qual era a minha impressão!‖

João Grilo tomou um banho,
Vestiu uma roupa de gala.
Então, muito bem vestido,
Apresentou-se na sala.
Ao ver seu traje tão belo,
Houve gente no castelo
Que quase perdia a fala.

E, então, toda repulsa
transformou-se de repente.
O rei chamou-o pra mesa.
Como homem competente.
Consigo, dizia João:
―Na hora da refeição
vou ensinar esta gente!‖

O almoço foi servido,
Porém João não quis comer;
Despejou vinho na roupa,
Só para vê-lo escorrer,
Ante a corte estarrecida;
Encheu os bolsos de comida,
Para toda corte ver.

O rei, bastante zangado,
Perguntou pra João:
— Por que motivo o senhor
não come da refeição?
Respondeu João com
maldade:
— Tenha calma, majestade
Digo já toda a razão.

Esta mesa tão repleta
De tanta comida boa,
Não foi posta pra mim
Um ente vulgar, à toa —
Desde a sobremesa à sopa,
Foi posta pra minha roupa
E não pra minha pessoa!

Os comensais se olharam,
O rei pergunta espantado:
— Por que o senhor diz isto,
Estando tão bem tratado?
Disse João: — Isso se explica
Por estar de roupa rica —
Não sou mais esmolambado!

Eu estando esfarrapado,
Ia comer na cozinha,
Mas, como troquei de roupa,
Como junto da rainha.
Vejo nisto um grande ultraje —
Homenageiam meu traje,
E não a pessoa minha!

Toda corte imperial
Pediu desculpa a João
E muito tempo falou-se
Naquela dura lição.
E todo mundo dizia
Que sua sabedoria
Era igual a Salomão!

(LIMA, João Ferreira. As proezas de João Grilo. São Paulo: Editorial Cunha Ltda, 1948, p. 03-34. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=cordelfcrb2&pagfis=21015&pesq=. Acesso em: 26 set. 2016. Adaptado.)

O texto traz fragmentos do folheto de cordel As proezas de João Grilo. Sobre o gênero Literatura de Cordel, é INCORRETO afirmar que:
A
é um texto característico da tradição oral.
B
está ligado às tradições culturais regionais.
C
tem sua origem na tradição cultural nordestina.
D
é estruturado em versos metrificados e rimados.