Questão
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
2019
Fase Única
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Texto I

Em nossos dias, o neo-indianismo dos modernos de 1922 (...) iria acentuar aspectos autênticos da vida do índio. (...) O indianismo dos românticos, porém, preocupou-se sobremaneira em equipará-lo qualitativamente ao conquistador, realçando ou inventando aspectos do seu comportamento que pudessem fazê-lo ombrear com este 

– no cavalheirismo, na generosidade, na poesia.

A altivez, o culto da vindita¹, a destreza bélica, a generosidade, encontravam alguma ressonância nos costumes aborígenes, como os descreveram cronistas nem sempre capazes de observar fora dos padrões europeus e, sobretudo, como os quiseram deliberadamente ver escritores animados do desejo patriótico (...). Deste modo, o indianismo serviu não apenas como passado mítico e lendário (...), mas como passado histórico, à maneira da Idade Média. Lenda e história fundiram-se na poesia de Gonçalves Dias e mais ainda no romance de Alencar, pelo esforço de suscitar um mundo poético digno do europeu. 

(CANDIDO, Antonio. In:___. Formação da literatura brasileira 9. ed. Vol. 2. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000, p. 19-20.) 

Texto II

Travam a luta os guerreiros. Caubi combate com furor; o cristão defende-se apenas; mas a seta embebida no arco da esposa guarda a vida do guerreiro contra os botes do inimigo.

(...) Renhiu-se² o combate entre Irapuã e Martim. 

A espada do cristão, batendo na clava do selvagem, fez- se em pedaços. O chefe tabajara avançou contra o peito inerme³ do adversário. 
Iracema silvou⁴ como a boicininga⁵ e arrojou-se contra a fúria do guerreiro tabajara. A arma rígida tremeu na destra possante do chefe e o braço caiu-lhe desfalecido. 

Soava a pocema⁶ da vitória. Os guerreiros pitiguaras conduzidos por Jacaúna e Poti varriam a floresta. (...)

Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta, viram o chão juncado⁷ de cadáveres de seus irmãos e, longe, o bando dos guerreiros tabajaras que fugia em nuvem negra de pó. Aquele sangue que enrubescia a terra era o mesmo sangue brioso⁸ que ardia nas faces de vergonha.

(ALENCAR, José de Iracema: lenda do Ceará. Cotia: Ateliê Editoral, 2006, p. 176-178)

Vocabulário:
¹ vindita: vingança
² renhir-se: travar-se violentamente
³ inerme: indefeso
⁴ silvar: produzir som agudo
⁵ boicininga: cascavel
⁶ pocema: grito
⁷ juncado: coberto
⁸ brioso: altivo, corajoso

No texto I, dentre as críticas feitas por Antonio Candido ao Indianismo do século XIX, destaca-se a construção de uma imagem fantasiosa do índio, fruto da influência de padrões literários europeus e do ufanismo ingênuo do escritor romântico brasileiro. Tal característica é evidente em Iracema, pois, na construção das personagens desse romance, José de Alencar manifesta tanto a idealização que subjaz à perfeição moral e física do índio brasileiro, quanto as virtudes características de heróis e donzelas das novelas de cavalaria medieval.

Essas considerações a respeito da natureza indianista do romance Iracema podem ser justificadas pelo tratamento dado, no texto II, à personagem: 
A
Iracema, que oscila entre a coragem do selvagem e a moralidade do europeu, traços presentes em “Aquele sangue que enrubescia a terra era o mesmo sangue brioso que lhe ardia nas faces de vergonha”.  
B
Irapuã, que materializa o conflito entre a habilidade do guerreiro europeu e a ingenuidade do índio brasileiro, como se pode observar em “O chefe tabajara avançou contra o peito inerme do adversário."
C
Iracema, que expressa tanto a audácia do europeu quanto o conhecimento instintivo do índio, conforme a passagem “Iracema silvou como a boicininga e arrojou-se contra a fúria do guerreiro tabajara”.  
D
Irapuã, capaz de enfrentar com valentia e humildade os perigos do campo de batalha, características evidentes em “A arma rígida tremeu na destra possante do chefe e o braço caiu-lhe desfalecido”.