Questão
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
2015
Fase Única
Texto-IXMeu-pobre518e93af462
Discursiva
Texto I

X

Meu pobre leito! eu amo-te contudo!
Aqui levei sonhando noites belas;
As longas horas olvidei libando
Ardentes gotas de licor dourado,
Esqueci-as no fumo, na leitura
Das páginas lascivas do romance...

Meu leito juvenil, da minha vida
És a página d’oiro. Em teu asilo
Eu sonho-me poeta e sou ditoso...
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! Oh! quantas vezes
Do levante no sol entre odaliscas
Momentos não passei que valem vidas!
Quanta música ouvi que me encantava!
Quantas virgens amei! que Margaridas,
Que Elviras saudosas e Clarissas,
Mais trêmulo que Faust, eu não beijava...
Mais feliz que Don Juan e Lovelace
Não apertei ao peito desmaiando!
Ó meus sonhos de amor e mocidade,
Porque ser tão formosos, se devíeis
Me abandonar tão cedo... e eu acordava
Arquejando a beijar meu travesseiro?

AZEVEDO, Álvares. Ideias íntimas. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p. 208.

Texto II

Domingo na estrada

(...)

A terra é um universal domingo, as estampas não se destacam, desaparecem na série. Figura humana é que custa a aparecer. Só o garotinho que brincava no barro, entre galinhas, e o braço de homem, no fundo escuro da casa desbeiçada, erguendo a garrafa.

Gente começa afinal a surgir, desembocando da ruazinha de arraial, em caminhões alegres, com inscrições: “Fé em Deus e pé na tábua”, “Chiquinha casa comigo”, e um ar de festa que é também domingueiro, festa nas roupas claras, nos lenços coloridos das cabeças; no riso largo, nos gritos. Rapazes de calção, viajando de pé, aos berros. Vão disputar a grande partida em um dos dez lugares da redondeza onde o futebol resolveu o problema da felicidade repartindo-a com todos, do meritíssimo doutor juiz de direito aos presos da cadeia, que assistem atrás de grades ou por informação, e tomam conhecimento do gol do seu clube pelo ruído particular dos foguetes. As moças vão também, salve ó moças! Já não têm nenhum ar especificamente montanhês, o cabelo aparado em pontas irregulares, a calça comprida e justa internacionalizaram há muito o tipo feminino, as garotas não são mais da França, da Turquia ou do Ceará, são todas de capa de revista, e mesmo assim continuam sendo a bem-aventurança e o licor da terra, e passam chispando no caminhão Fenemê, e desacatam o policial do posto da divisa, e vão entoando o sagrado nome do clube e a vitória certa. Há também o bêbado da estrada. Não é patético como o dos poetas neo-românticos que exploram o gênero, é simplesmente bêbado, sem pretensões, também ele universal na pureza de sua irresponsabilidade. Está a mil sonhos do futebol, mas a parada do caminhão para tomar água lhe comunica a chama do esporte, e ei-lo que engrola a exortação enérgica:

— Vocês me tragam a vitó… a vitóooria! Eu fico esperando a vit…

Todos aplaudem freneticamente. Mas as pernas arriam, e ele fica ali, desmanchado, à sombra da goiabeira, dormindo na manhã de Minas Gerais…

ANDRADE, Carlos Drummond de. A bolsa e a vida. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1963, p. 55-57.

Explique, levando em conta a comparação entre os Textos I e II de que maneira a passagem “Não é patético como o dos poetas neo-românticos que exploram o gênero...”, presente no Texto II, representa uma crítica dos modernistas ao Romantismo.