Questão
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
2024
Fase Única
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Texto V 

QUARTO DE DESPEJO 

Carolina Maria de Jesus

23 DE MAIO 

Levantei de manhã triste porque estava chovendo. (...) O barraco está numa desordem horrível. E que eu não tenho sabão para lavar as louças. Digo louça por hábito. Mas é (sic) as latas. Se tivesse sabão eu ia lavar as roupas. Eu não sou desmazelada. Se ando suja é devido a reviravolta da vida de um favelado. Cheguei a conclusão que quem não tem de ir pro céu, não adianta olhar para cima. E igual a nós que não gostamos da favela, mas somos obrigados a residir na favela.

[...] 

Antigamente era a macarronada o prato mais caro. Agora é o arroz e feijão que suplanta a macarronada. São os novos ricos. Passou para o lado dos fidalgos. Até vocês, feijão e arroz, nos abandona! Vocês que eram os amigos dos marginais, dos favelados, dos indigentes. Vejam só. Até o feijão nos esqueceu. Não está ao alcance dos infelizes que estão no quarto de despejo. Quem não nos despresou (sic) foi o fubá. 

Mas as crianças não gostam de fubá. Quando puis a comida o João sorriu. Comeram e não aludiram a (sic) cor negra do feijão. Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia. 

[...] 

23 DE JULHO ... Liguei o radio para ouvir o drama. Fiz o almoço edeitei. Dormi uma hora e meia. Nem ouvi o final da peça. Mas, eu já conhecia a peça. Comecei fazer o meu diário. De vez em quando parava para repreender os meus filhos. Bateram na porta. Mandei o João José abrir e mandar entrar. Era o Seu João. Perguntou-me onde encontrar folhas de batatas para sua filha buchechar (sic) um dente. Eu disse que na Portuguesinha era possível encontrar. Quiz (sic) saber o que eu escrevia. Eu disse ser o meu diário. 

— Nunca vi uma preta gostar tanto de livros como você. 

24 DE JULHO 

O Seu João veio buscar as folhas de batatas. Eu disse-lhe: 

—Se eu pudesse mudar desta favela! Tenho a impressão, que estou no inferno. 

...Sentei ao sol para escrever. A filha da Silvia, uma menina de seis anos, passava e dizia: 

—Está escrevendo, negra fidida (sic)! A mãe ouvia e não repreendia. São as mães que instigam.

Fonte: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014 


Nos trechos apresentados do diário Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, observa-se:
A
O incipiente surgimento de uma solidariedade negra, como se lê em: “Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia”. 
B
A defesa da Negritude como autoafirmação da identidade negra, como se lê em: “Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia”.
C
O racismo estrutural da sociedade brasileira, como se observa em “A mãe ouvia e não repreendia. São as mães que instigam”.
D
A falta de uma conscientização da condição do negro na sociedade brasileira, como se compreende em “Comeram e não aludiram a (sic) cor negra do feijão”. 
E
As complexas relações entre classe e raça presentes em “Não está ao alcance dos infelizes que estão no quarto de despejo”.