Questão
Prova de Seleção - Medicina
2021
Fase Única
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Utilize o texto a seguir para responder

Às quatro da madrugada acordei. Entrava um vento cortante pela janela do banheiro. Quando voltei para a cama, meu corpo estava congelado. Achei estranho: Regina, eternamente mais agasalhada do que eu, dormia com uma colcha leve.

Peguei o cobertor, mas tremia tanto que ela acordou e foi buscar uma manta grossa.

A crise durou minutos. Fiquei encolhido, trêmulo, com a testa gelada, o corpo retesado, os músculos das costas contraídos e a boca cerrada para não bater os dentes, à espera do calor que as cobertas não traziam.

Só consegui lembrar-me de tanto frio em duas ocasiões. Num 2 de janeiro, em Londres, a dez graus abaixo de zero, quando corri dois quarteirões com o rosto anestesiado para me abrigar numa lanchonete em cuja mirada uma moça quase albina sapateava e chorava de dor nos pés congelados. Outra vez, em Cleveland, sob a neve, sofrimento idêntico porque menosprezei o vento e a distância que me separava da porta do hospital. Nas duas experiências, entretanto, o impacto era causado pelo frio que vinha do exterior; dessa vez, o gelo brotava da medula óssea.

Os calafrios me trouxeram as imagens de um filme de Akira Kurosawa em que dois personagens são surpreendidos pela chegada da noite durante uma tempestade de neve, antes de avistar o acampamento — na verdade situado a pequena distância do local onde caíram exaustos. Quase invisíveis em meio à revoada de flocos, enquanto um deles fazia de tudo para impedir que o amigo desfalecesse, surgia a morte encarnada na figura evanescente de uma mulher de rosto encoberto, a convidá-los para acompanhá-la.

O termômetro marcou 40,2 graus. Os calafrios eram o prenúncio de uma doença que por pouco não me levou desta para outra melhor, como diria minha avó.

Tomei um comprimido de dipirona e dormi novamente. Às sete, levantei indisposto, com o corpo moído e as pernas combalidas, para ir a uma reunião na faculdade de medicina.

Foi uma luta para não pegar no sono no meio da discussão. Bem fazem meus colegas japoneses, que se dão o direito de cochilar em rodízio durante as reuniões científicas, sem recriminações mútuas. No jardim da faculdade, a caminho da rua, achei prudente voltar para casa. Um pouco de repouso me deixaria em condições de ir à Penitenciária do Estado depois do almoço, para o atendimento aos presos, atividade iniciada nesse presídio após a implosão do Carandiru.

Drauzio Varella. O médico doente. Companhia das Letras: São Paulo, 2015.

A palavra “combalidas”, encontrada em “Às sete, levantei indisposto, com o corpo moído e as pernas combalidas, para ir a uma reunião na faculdade de medicina”, apresenta, no contexto, a significação de:
A
irrecuperáveis.
B
imprestáveis.
C
inválidas.
D
curadas.
E
enfermas.