A bela dama é filha de um velho funcionário público. Casou aos vinte anos com este Cristiano de Almeida e Palha, zangão da praça, que então contava vinte e cinco. O marido ganhava dinheiro, era jeitoso, ativo, e tinha o faro dos negócios e das situações. Em 1864, apesar de recente no ofício, adivinhou, — não se pode empregar outro termo, — adivinhou as falências bancárias.
— Nós temos coisa, mais dia menos dia; isto anda por arames. O menor brado de alarme leva tudo.
O pior é que ele despendia todo o ganho e mais. Era dado à boa-chira; reuniões frequentes, vestidos caros e joias para a mulher, adornos de casa, mormente se eram de invenção ou adoção recente, — levavam-lhe os lucros presentes e futuros. Salvo em comidas, era escasso consigo mesmo. Ia muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes, em que se divertia um pouco, — mas ia menos por si que para aparecer com os olhos da mulher, os olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular; decotava a mulher sempre que podia, e até onde não podia, para mostrar aos outros as suas venturas particulares. Era assim um rei Candaules*, mais restrito por um lado, e, por outro, mais público.
E aqui façamos justiça à nossa dama. A princípio, cedeu sem vontade aos desejos do marido; mas tais foram as admirações colhidas, e a tal ponto o uso acomoda a gente às circunstâncias, que ela acabou gostando de ser vista, muito vista, para recreio e estímulo dos outros. Não a façamos mais santa do que é, nem menos. Para as despesas da vaidade, bastavam-lhe os olhos, que eram ridentes, inquietos, convidativos, e só convidativos: podemos compará-los à lanterna de uma hospedaria em que não houvesse cômodos para hóspedes. A lanterna fazia parar toda a gente, tal era a lindeza da cor, e a originalidade dos emblemas; parava, olhava e andava. Para que escancarar as janelas? Escancarou-as, finalmente; mas a porta, se assim podemos chamar ao coração, essa estava trancada e retrancada.
*Rei Candaules: lenda helênica sobre rei que acreditava ser casado com a mulher mais bela de todas. Ele obriga um criado a vê-la nua escondido para provar seu ponto. Ele não sabia, porém, que havia uma maldição: se outro homem a visse nua, um deles devia morrer. O criado, então, o mata e se casa com a rainha.
(Machado de Assis, Quincas Borba, CAPÍTULO XXXV, 1994)
O trecho em questão aponta uma das características principais de Quincas Borba,