Questão
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
2008
Fase Única
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A casa das ilusões perdidas

Quando ela anunciou que estava grávida, a primeira reação dele foi de desagrado, logo seguida de franca irritação. Que coisa, disse, você não podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você não tem cabeça mesmo, não sei o que vi em você, já deveria ter trocado de mulher havia muito tempo. Ela, naturalmente, chorou, chorou muito. Disse que ele tinha razão, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre sonhara com isso, com a maternidade — e agora que o sonho estava prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.

— Por favor, suplicou. — Eu faço tudo que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas, por favor, me deixe ser mãe. 

Ele disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. E sumiu.

Voltou, não ao cabo de três dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com uma barriga avantajada que tornava impossível o aborto; ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo — estava certa de que ele vinha com a mensagem que tanto esperava, você pode ter o nenê, eu ajudo você a criá-lo.

Estava errada. Ele vinha, sim, dizer-lhe que podia dar à luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negócio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que não tinham e que agora seria o lar deles, o lar onde — agora ele prometia — ficariam para sempre.

Ela ficou desesperada. De novo caiu em prantos, de novo implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre, cedeu.

Entregue a criança, foram visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:

— Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.

Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.

(Moacyr Scliar, Folha de S.Paulo, 14.06.1999.)

O casal age de modo contrário aos sentimentos comuns de justiça e dignidade. No contexto da narrativa, tais comportamentos explicam-se
A
pela falta de amor que há entre a mulher e o companheiro, fazendo com que tudo que os rodeia se torne um negócio vantajoso.
B
pelo amor exagerado que a mulher sente e pela confusão de sentimentos que o companheiro vive na descoberta desse amor.
C
pelo ódio exagerado que a mulher sente do companheiro e pela forma displicente e pouco amável como ele a vê.
D
pela submissão exagerada da mulher ao companheiro e pela forma mesquinha e interesseira como ele resolve as coisas.
E
pela forma irresponsável com que a mulher age em relação ao companheiro, o que o faz tomar atitudes impensadas.