Questão
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
2016
2ª Fase
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Discursiva
A cidade e o passeio por suas ruas passam a fazer parte do temário da poesia lírica sobretudo a partir do século XIX. Os poemas abaixo mostram a deambulação do eu lírico por cidades. Escolha um dos poemas e discuta sobre a visão do poeta em relação à paisagem urbana, considerando o período literário em que esse poema se enquadra.

O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL

I - Ave-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

[...]

(VERDE, Cesário. O livro de Cesário Verde. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000070.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2015).


ARTIGO DEFINIDO MASCULINO SINGULAR

Poema dezesseis
...um asterisco

o coração metropolitano
catedral de vitrais quebradiços
e mosaicos de cacos assassinados
o amor cosmopolita
onde polaroid fica sendo grafite
metal ou gesso ou giz ou óleo
sente-se a falta de uma moldura
no atelier no vernissage na vitrine
diz-se assim então que é o menosprezo
acompanhado de um asterisco
amor em metrópole mas sem neon
no país de tic-tacs e fisgadas cardíacas
diz-se assim por conseguinte da paixão
onde estetoscópios avaliam os blues
as badaladas os tum-tum-tuns as canções aceleradas
em instantes de suspiros e baladas de amor
amor com coração metropolitano e cosmopolita
bairrista e saneado e asfaltado
conseqüentemente platônico e sem semáforo
no globo que gira indiferente às espécies

(BLANK, Sérgio. Os dias ímpares: toda poesia. Vitória: Cousa, 2011. p. 160-161).