A favela passou o dia nervosa e em preparativos. Nesta hora do crepúsculo, se agita como um animal furtivo, esperando o tempo de botar fora da toca o focinho. [...] Sem deter o passo, Dona Nazária percorre o labirinto de feras tocaiadas, indiferente a rosnados e dentes à mostra.
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A favela inteira já sabe do “salve geral”. Segredo é que nem droga, meu filho: de mão em mão corre sertão. Eu preciso falar com seu chefe é disso mesmo.
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Tem verbo que é propriedade de chefe. “Mandar”, por exemplo. Só dono de boca conjuga em primeira pessoa. Dona Nazária descompunha a gramática.
-Você já mandou pra morte meu marido e os dois filhos. Nenhum dos meus homens foi meu. Você tomou tudo, viveram pra você e morreram pra você. O caçula, não. Esse é meu. Sei que você convocou toda a favela pro confronto do comando com a polícia. Rubinho não vai. Vim exigir essa palavra. Você me promete que ele vai ficar em casa hoje e eu vou embora.
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Precisa comover esse homem duro, todo homem pode ser convencido, basta lhe depositar no juízo o que não espera escutar. Encontrar a frase sem retruques, o pedido sem ambiguidades, a força incorruptível de um termo que não admita refúgios. Apenas a palavra certa... A palavra... [...] Ele é, agora, o senhor dono proprietário da palavra. “A lei não está no escrito, mas no pensado”.
MARQUES, Santiago Villela. Sósias: Contos. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2005. p. 7-15. (Adaptado)
Dentre as narrativas encontradas no livro Sósias, do escritor Santiago Villela Marques, encontra-se o conto A palavra, cujo enredo apresenta as angústias de uma mãe, na tentativa de resgatar o seu filho do mundo da criminalidade. A partir do texto base e de sua leitura sobre o conto, analise as afirmações abaixo.
I. No trecho “A favela passou o dia nervosa e em preparativos” encontra-se a personificação do espaço e a construção de um ambiente de tensão na narrativa.
II. A personificação e a comparação, que são figuras de linguagem, são identificadas no trecho “Nesta hora do crepúsculo, se agita como um animal furtivo, esperando o tempo de botar fora da toca o focinho”.
III. Em “Ele é, agora, o senhor dono proprietário da palavra. ‘A lei não está no escrito, mas no pensado’” identifica-se a figura de linguagem eufemismo.
IV. No recorte “Tem verbo que é propriedade de chefe. ‘Mandar’, por exemplo. Só dono de boca conjuga em primeira pessoa” identifica-se a figura de linguagem metonímia para demonstrar as relações de poder instituídas.
V. Por meio da figura de linguagem comparação, o trecho “Segredo é que nem droga, meu filho: de mão em mão corre sertão” faz uma analogia entre as palavras “droga” e “segredo” para reforçar a tensão na narrativa.
Assinale a alternativa correta.