Questão
Universidade de São Paulo - USP - FUVEST
2005
1ª Fase
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O filme Cazuza – O tempo não pára me deixou numa espécie de felicidade pensativa. Tento explicar por quê.

Cazuza mordeu a vida com todos os dentes. A doença e a morte parecem ter-se vingado de sua paixão exagerada de viver. É impossível sair da sala de cinema sem se perguntar mais uma vez: o que vale mais, a preservação de nossas forças, que garantiria uma vida mais longa, ou a livre procura da máxima intensidade e variedade de experiências?

Digo que a pergunta se apresenta “mais uma vez” porque a questão é hoje trivial e, ao mesmo tempo, persecutória. (...) Obedecemos a uma proliferação de regras que são ditadas pelos progressos da prevenção. Ninguém imagina que comer banha, fumar, tomar pinga, transar sem camisinha e combinar, sei lá, nitratos com Viagra seja uma boa idéia. De fato não é. À primeira vista, parece lógico que concordemos sem hesitação sobre o seguinte: não há ou não deveria haver prazeres que valham um risco de vida ou, simplesmente, que valham o risco de encurtar a vida. De que adiantaria um prazer que, por assim dizer, cortasse o galho sobre o qual estou sentado? 

Os jovens têm uma razão básica para desconfiar de uma moral prudente e um pouco avara que sugere que escolhamos sempre os tempos suplementares. É que a morte lhes parece distante, uma coisa com a qual a gente se preocupará mais tarde, muito mais tarde. Mas sua vontade de caminhar na corda bamba e sem rede não é apenas a inconsciência de quem pode esquecer que “o tempo não pára”. É também (e talvez sobretudo) um questionamento que nos desafia: para disciplinar a experiência, será que temos outras razões que não sejam só a decisão de durar um pouco mais? 

(Contardo Calligaris, Folha de S. Paulo)

Considerando-se o contexto, traduz-se corretamente o sentido de uma frase do texto em:
A
“Cazuza mordeu a vida com todos os dentes” = Cazuza respondeu com ressentimento a todas as adversidades da vida. 
B
“(...) uma moral prudente e um pouco avara que sugere que escolhamos sempre os tempos suplementares” = uma moral rígida e mesquinha que nos incita a um prazer excessivo. 
C
“Obedecemos a uma proliferação de regras que são ditadas pelos progressos da prevenção” = Curvamo-nos aos inúmeros preceitos que nos deixam prevenidos em relação ao progresso. 
D
“(...) cortasse o galho sobre o qual estou sentado” = privilegiasse o meu instinto de sobrevivência. 
E
“(...) a questão é hoje trivial e, ao mesmo tempo, persecutória” = mesmo banalizada, a questão preocupa o tempo todo.