O fim do livro e a eternidade da literatura.
É comum a discussão sobre o futuro do livro, tal como hoje o conhecemos. Por extensão, a mídia impressa sofre a mesma ameaça vinda da mídia eletrônica. Antes de tudo, vale lembrar que o livro teve ancestrais em nada parecidos com o produto industrial de hoje. O homem escreveu seus primeiros códigos em pedra, tijolos e madeira. A escrita primitiva era feita a estilete. (...) Mas, antes mesmo de Gutenberg, o livro já tinha adquirido o formato atual e foi nele que se conservou a cultura e a tradição material e espiritual da humanidade. Pergunta: o que será dele quando a tecnologia conseguir avançar ainda mais? Podemos dispensar nossas bibliotecas?
Mas a pergunta que importa não é sobre o futuro material do livro. Importa discutir é que a linguagem habitual do livro, a literária, ganhou uma inesperada importância com o advento da linguagem digital. Isto é, com a linguagem colocada em circuito pela rede eletrônica, os jovens, em busca de informações, estão voltando à expressão literária, rudimentar embora, mas sujeita ao aprimoramento natural determinado pela própria necessidade de se exprimir.
Não faz muito tempo, um jovem normal, independente de sua escolaridade, possuía um vocabulário padrão reduzido, cheio de simplificações. Com a chegada dos sites virtuais, as necessidades da interação verbal aumentaram e, embora continuem a ser usados símbolos, ícones e imagens, vê-se que a palavra impressa é indispensável, vai sobreviver em sua forma convencional e não será vencida pela linguagem visual e animada.
É impossível deter a perplexidade que isso começa a provocar nos jovens, que sentem necessidade, cada vez maior, da comunicação impressa. Aos poucos, estão descobrindo o universo literário em sua acepção mais clássica. Ou seja: há um retorno à literatura.
Discutir a sobrevivência do livro, como objeto material, é ocioso. Como produto industrial, ele está sujeito às transformações da técnica e da circunstância. Agora, o espírito da letra, como símbolo da expressão e da comunicação, nada tem a temer em relação à linguagem digital. Pelo contrário: ela ajudou a velha letra, que nossos ancestrais grafavam na pedra ou na madeira, a vencer a força e a comodidade da imagem.
(Carlos Heitor Cony. O fim do livro e a eternidade da literatura. Folha de S. Paulo, 8/9/2000).
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