Da fome. A estética. A preposição ‘da’, ao contrário da preposição ‘sobre’, marca a diferença: a fome não se define como tema, objeto do qual se fala. Ela se instala na própria forma do dizer, na própria textura das obras. Abordar o Cinema Novo do início dos anos 1960 é trabalhar essa metáfora que permite nomear um estilo de fazer cinema. Um estilo que procura redefinir a relação do cineasta brasileiro com a carência de recursos, invertendo posições diante das exigências materiais e as convenções de linguagem próprias ao modelo industrial dominante. A carência deixa de ser obstáculo e passa a ser assumida como fator constituinte da obra, elemento que informa a sua estrutura e do qual se extrai a força da expressão, num estratagema capaz de evitar a simples constatação passiva (‘somos subdesenvolvidos’) ou o mascaramento promovido pela imitação do modelo imposto (que, ao avesso, diz de novo ‘somos subdesenvolvidos’). A estética da fome faz da fraqueza a sua força, transforma em lance de linguagem o que até então é dado técnico. Coloca em suspenso a escala de valores dada, interroga, questiona a realidade do subdesenvolvimento a partir de sua própria prática.
(Estética da fome – observa Ismail Xavier (Sertão mar, Embrafilme e editora Brasiliense, São Paulo, 1983, página 9)
De acordo com o texto, a “estética da fome”, sistematizada por Glauber Rocha no Cinema Novo,