A fome que houve na Bahia no ano de 1691
Toda a cidade derrota
esta fome universal,
uns dão a culpa totalidade
à Câmara, outros à frota:
a frota tudo abarrota
dentro nos escotilhões,
a cama, o peixe, os feijões,
a se a Câmara olha e ri,
porque anda farta até aqui,
é coisa que não me toca:
Ponto em boca.
Se dizem que o marinheiro
nos precede a toda a Lei,
porque é serviço d'El Rei,
concedo que está primeiro:
mas tenho por mais inteiro
o conselho que reparte,
com igual mão e igual arte
por todos, jantar a cela:
mas frota com tripa cheia,
e o povo com pança oca!
Ponto em boca.
A fome me tem já mudo,
que é muda a boca esfaimada,
mas se a frota não traz nada,
por que razão leva tudo?
que o povo por ser sisudo
largue o outro e largue a prata
a uma frota patarata,
que entrando co'a vela cheia,
o lastro que traz de areia
por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca.
(...)
MATOS, Gregório. Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 (p. 62-63).
A partir do trecho do poema acima, depreende-se que: