Questão
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC Campinas
2007
Fase Única
੦ Português
੦ Português
Gramática
Interpretação de texto
Interpretação de texto literário
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A máquina do mundo

No poema que tem o título acima, Carlos Drummond de Andrade faz referência a uma “máquina do mundo” - imagem totalizante do universo. Essa imagem foi tomada de empréstimo ao poema épico Os Lusíadas, de Camões, no qual o poeta português, fundindo mitologia e história, cria a cena em que Vasco da Gama, depois de seu grande feito de navegador, é conduzido por uma ninfa ao alto de uma montanha, de onde pode contemplar o Mundo, representado por um globo translúcido. Essa é uma aposta da Renascença na potência do saber humano. É o anseio de compreensão global e completa do “ funcionamento ” de todas as coisas, de reconhecimento dos sistemas que compõem a grande ordem do mundo.

Nossos cinco sentidos são funções do nosso corpo; permitem-nos reconhecer, em diferentes níveis, o mundo físico em que estamos integrados. Mas existem em nós necessidades que parecem ultrapassar o limite da nossa percepção imediata. Desde as cavernas, quando inscreve nas paredes figuras de animais, o homem busca aproximar pela imaginação o que está fora do alcance de seu corpo. As religiões, estribadas na fé, são caminhos que afirmam uma ligação essencial do homem com o mundo, entendido como criação divina. Por outro lado, com os recursos da técnica e dos instrumentos, essa aproximação simbólica vai-se fazendo física: as lunetas trazem o objeto longínquo para perto do olhar, o microscópio torna visível a partícula ínfima, as armas de propulsão mecânica ou de fogo atingem o inimigo distante, as ondas sonoras são captadas e transmitidas de um lugar para outro, a força dos ventos movimenta os moinhos junto ao trigal ou permite a geração de energia elétrica. Em suma: os homens continuam, na sua longa jornada, em busca do conhecimento do Todo.

No referido poema de Drummond parece haver um recado claro do poeta: não há vantagem em se tentar dominar a “máquina do mundo” quando não se é capaz de satisfazer as necessidades interiores, os anseios íntimos. O poder imperial de um César, de um Napoleão, ou a fortuna de uma celebridade pop pode não lhes valer muito, se os domina alguma insatisfação pessoal e profunda. Os fundamentalistas religiosos ou políticos de ontem e de hoje matam e morrem para atender convicções enrijecidas. O gênio de Einstein não se satisfez em nos oferecer a teoria da relatividade: produziu também escritos políticos, preocupado com os caminhos de pacificação do mundo da era atômica, interessado na organização de um mecanismo político internacional que de fato controlasse a ambição dos estados mais poderosos. Não há ambientalista responsável que não se insurja contra alguma obra ou iniciativa que ponha em risco o cada vez mais ameaçado equilíbrio ambiental. As explorações espaciais e a tecnologia voltada para o universo do virtual são nossos passos mais recentes na busca de conhecimento e controle da máquina do mundo. Mas os nossos desejos mais primitivos continuam a dominar-nos, e muitas vezes se projetam nas ações mais hediondas. No poema de Drummond, a trajetória pessoal do caminhante é tão melancólica (espelhando o modo como ele vê a trajetória da humanidade) que ele recusa o conhecimento da máquina do mundo.

A história da civilização é a história das relações dos homens com os homens e com a Natureza. Seja pela ideologias políticas, seja pela alta tecnologia, a humanidade não se cansa de oferecer modelos políticos e caminhos científicos que levariam o homem à ordem absoluta e ao conhecimento de tudo. Os avanços da genética aplicada servem tanto às investigações criminais e à produção dos clones como à intervenção no metabolismo dos vegetais. Os produtos químicos têm efeito sobre a fertilidade do solo e a fecundidade das mulheres: a mecânica da vida passa a ser alterada, nas suas entranhas, pela ação humana. O sonho do homem é, como sempre foi, o de dominar a máquina do mundo.

Num país como o nosso, marcado por tão fortes contrastes econômicos e culturais, podemos reconhecer, simultaneamente, o singelo efeito da velha enxada escavando a terra e as advertências emitidas pelo satélite que analisa o efeito estufa. Da urna eletrônica de hoje ao mandonismo político dos coronéis de ontem, o passo foi pequeno no tempo, mas enorme para a vida política. No Brasil, há uma espécie de “máquina do mundo” especialmente complexa, dentro da qual convivem a sofisticação da informática e a pequena lavoura de subsistência familiar, o viajante espacial e a multidão dos migrantes tangidos pela miséria. Nesse sentido, nosso país não deixa de espelhar as diferenças que estão também no mundo: esta nossa velha “máquina” contém, como sempre conteve dentro de si, a busca ansiosa de desvelamento da grande engenharia do mundo

— busca que deve enfrentar o desafio do equilíbrio do mundo físico e da vida social, ainda tão longe de ser atingido.

Valdomiro Agustin de Rezende

Quando não se é capaz de satisfazer as necessidades interiores, os anseios íntimos, pode-se passar a projetar essa insatisfação nas imagens sombrias do ressentimento e da melancolia, que são características
A
do lirismo devaneante de muitos poemas da Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo, que se opõe ao sarcasmo ressentido de outros tantos, do mesmo livro.
B
da retórica romântica, de feição oratória, de boa parte da poesia de Castro Alves, em que foram abraçadas teses republicanas e abolicionistas.
C
da poesia confessional de Álvares de Azevedo, como em Macário – coletânea em que o poeta alterna intimismo e forte compromisso com o momento histórico nacional.
D
da poesia em que Gonçalves Dias se deixou influenciar pelo conceito romântico de "bom selvagem", responsável pela valorização das convenções indianistas.
E
do profundo intimismo de Gonçalves Dias, razão pela qual não há lugar, em sua poesia, para imagens que possam espelhar a força da natureza tropical.