Uma mesma canção do Caetano Veloso poderá ninar seus filhos, orientar seu Carnaval e assombrar você pelo resto da sua existência. Não consigo ouvir a palavra “impávido” sem emendar em Mohammed Ali.
O poeta Manuel Bandeira disse que elegeria “tu pisavas nos astros, distraída” o verso mais bonito da língua portuguesa. Caetano transformou-o no segundo verso mais bonito, ao escrever: “tropeçavas nos astros, desastrada”, forçando toda uma geração de poetas à aposentadoria.
Com Caetano descobri que o antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a baía de Guanabara, e que Hollywood quer dizer Azevedo, que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol, que os átomos todos dançam e coragem grande é poder dizer sim, que cantar é mais do que lembrar.
Uma coisa bela é uma alegria pra sempre, dizia o poeta inglês John Keats, que também disse, sobre um vaso grego, em tradução de Augusto de Campos: “quando a idade apagar toda a atual grandeza / Tu ficarás, em meio às dores dos demais”. Keats, coitado, nasceu 2.000 anos depois do vaso. Não viu sua musa ser pintada. Estar vivo ao mesmo tempo que Caetano nos dá essa sorte: a de presenciar o espetáculo do nascimento das coisas eternas.
(www.folha.uol.com.br, 12.10.2022. Adaptado.)
Depreende-se do segundo parágrafo que o verso “tropeçavas nos astros, desastrada”, de Caetano Veloso, retoma o da canção “chão de estrelas”, de Orestes Barbosa, “tu pisavas nos astros, distraída”. Esse recurso é um exemplo de