A metalinguagem está presente nestes versos de A Educação pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, exceto em:
Questão
Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP
2009
1ª Fase
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A
Certo poema imaginou que a daria a ver
(sua pessoa, fora da dança) com o fogo.
Porém o fogo, prisioneiro da fogueira,
tem de esgotar o incêndio, o fogo todo;
e o dela, ela o apaga (se e quando quer)
ou o mete vivo no corpo: então, ao dobro.
(MELO NETO, J. C. de. Dois P.S. a um poema. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 218)
B
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois, para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
(MELO NETO, J. C. de. Catar feijão. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 222)
C
Durante as secas do Sertão, o urubu,
de urubu livre, passa a funcionário.
O urubu não retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestados e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
ele, que no civil quer o morto claro.
(MELO NETO, J. C. de. O urubu mobilizado. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 209)
D
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma;
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
(MELO NETO, J. C. de. Rios sem discurso. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 229-230)