Atenção: Para responder à questão, considere o texto a seguir.
Na companhia de Rubem Braga
Se alguém, desanimado com a própria vida, me perguntasse o que fazer pra encontrar sentido nela, eu diria: — Procure ler o cronista Rubem Braga. Porque eu acho, de fato, que esse escritor tem crônicas tão boas que fazem a gente valorizar o tempo que se gasta lendo-as. Que coisa melhor do que valorizar o tempo de uma boa experiência para se valorizar a própria vida?
Talvez vocês achem que, por conta do que acabo de dizer, Rubem Braga é um homem alegre, otimista e entusiasta, capaz de demover até mesmo um suicida de seu propósito final. Pois acreditem: Rubem Braga cultiva a melancolia, e é inteligente o bastante para não se iludir com os castelos de areia de um sonhador apenas ingênuo. Então, por que ler esse cronista tantas vezes sombrio, tão pouco animado com a humanidade real? Porque em suas crônicas ele preza tanto a beleza da melhor linguagem que nos presenteia com a arte de um escritor inesquecível. Afinal, a beleza de um noturno de Chopin é razão para se morrer ou para se pedir mais música?
As crônicas de Braga entram tão fundo na vida nossa, no cotidiano nosso, nos desejos nossos, que elas se tornam companhias e espelhos onde nos reflitamos. Quando ele fala do mar, postamo-nos também nós na praia de onde se pode admirar a turbulência verde das ondas e os pontos brancos das velas; se fala de uma casa velha, entramos por seus cômodos nas histórias de antigos amores, que ainda parecem ressoar; se fala de uma viagem solitária que fez por um país longínquo, vamos com ele reconhecer o calor súbito de uma hospedaria simples e amiga. O que esse cronista toca, com a arte de suas palavras, toca-nos também na mesma medida, como se descobríssemos juntos a existência de uma mesma coisa bela.
A melancolia de Braga não é a negatividade de um cético radical: é o desejo de quem queria muito mais da vida, e continua querendo. Por isso, em vez de recomendar a um amigo desanimado que busque o consolo fácil de um otimista incorrigível, aconselho-o a mergulhar naquelas páginas do cronista que, embora melancólicas, trazem dentro de si a respiração de quem as escreveu para estender aos outros a beleza das pequenas coisas que, talvez melhor que as grandes, ensinam a viver.
(SALUSTIANO, Pedro Lopes. A publicar)