Sobre a obra Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e sobre o teatro brasileiro, assinale o que for correto.
“TIÃO – Papai...
OTÁVIO – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um recado comigo, mandou dizê pra você que ficou muito admirado, que se enganou. E pediu pra você tomá outro rumo, porque essa casa não é de fura-greve!
[...]
TIÃO – Eu queria que o senhor desse um recado a meu pai...
OTÁVIO – Vá dizendo.
TIÃO – Que o filho dele não é um “filho da mãe”. Que o filho dele gosta de sua gente, mas que o filho dele tinha um problema e quis resolvê esse problema de maneira mais segura. Que o filho é um homem que quer bem! [...] O problema é que eu não podia arriscá nada.
[...]
OTÁVIO – Seu pai acha que ele tem culpa!
TIÃO – Tem culpa nada, pai!
OTÁVIO (num rompante) – E deixa ele acreditá nisso, se não, ele vai sofrê muito mais. Vai achar que o filho dele caiu na merda sozinho. Vai achar que o filho dele é safado de nascença. (Acalma-se repentinamente.) Seu pai manda mais um recado. Diz que você não precisa aparecê mais. E deseja boa sorte pra você.”
GUARNIERI, G. Eles não usam black-tie. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 104 e 105.
01) A precária realidade de trabalho dos operários da fábrica legitima tanto a conduta de Otávio, ao reinvindicar, por meio da greve, direitos e melhores condições aos trabalhadores, quanto a postura de Tião, operário pobre e morador da favela que, por estar prestes a ter um filho, tem medo de perder o emprego, motivo pelo qual não adere à greve.
02) No tratamento ríspido dirigido a Tião, pode-se notar, de maneira velada, a presença de um problema que inquieta Otávio há muito tempo: a dúvida sobre a paternidade de Tião, em especial pelas diversas diferenças entre eles, tanto físicas quanto comportamentais. O personagem mostra essa inquietação já na primeira cena da obra, em que se encontra pensativo no bar.
04) A não adesão de Tião à greve dos operários gera conflitos tanto no seio familiar (entre pai e filho) quanto na própria classe trabalhadora, pois ambos são proletários. Esses conflitos ofuscam o direcionamento da discussão em relação ao verdadeiro responsável pela precarização das condições de trabalho: o patrão, dono da fábrica.
08) O trecho citado representa a cena em que Tião chega a casa para tentar acalmar Bráulio, seu pai, pois sabia que ele estava muito bravo devido à situação. No entanto, encontra apenas Otávio, líder dos grevistas, que informa que o pai de Tião não estava ali, mas que trazia um recado a pedido dele: “pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é casa de fura-greve!”.
16) A obra em questão é classificada como um marco na história do teatro brasileiro por sua inovação tanto no conteúdo quanto na forma. No conteúdo, trata-se da primeira peça do teatro brasileiro a abordar, de modo central, o retrato social das camadas mais pobres e a tecer críticas contundentes à sociedade burguesa; na forma, é a precursora a romper com a convencional categoria de tempo ao propor uma estrutura de montagem com três planos simultâneos: o passado de Otávio, o momento presente da greve e o futuro de Tião fora da favela.